quarta-feira, 21 de março de 2018

SUSTENTABILIDADE E PLENITUDE


“Lixo não existe”. Esta frase tornou-se o lema de vida de um ex-catador de lixo do Brasil, recentemente entrevistado por um repórter de uma emissora de TV para um documentário sobre o descarte de resíduos no país. Estampando a lateral do carro de propriedade daquele pequeno empresário do setor de reciclagem, a frase chama a atenção para um assunto que está bem mais no nível da retórica do que da prática da sociedade brasileira, a sustentabilidade.

Em grande parte das nações da Terra, a sustentabilidade como a capacidade de promover o desenvolvimento econômico e material sem agredir o meio ambiente, ainda é um sonho, alimentado por pequena minoria. Porém, a consequência do descaso e da ignorância é o avolumamento de um dos mais progressivos pesadelos, que certamente sufocará, figurativa e literalmente, as gerações futuras.


O Brasil e a sustentabilidade
Em 2017, veículos de imprensa mostraram o exemplo de um brasileiro que ao longo de 43 anos plantou sozinho uma floresta inteira no meio da Serra da Mantiqueira, no Estado do Pernambuco. A área equivalente a 31 hectares, antes da intervenção era apenas um pasto com algumas nascentes e 43 anos depois, muita visão ambiental, perseverança e esforço veio a ser uma floresta com árvores nativas e 8 cachoeiras volumosas.  Porém, brasileiros como o Sr. Antônio Vicente são exceções em um país onde se noticia desmatamento medido em áreas de campo de futebol e em toneladas de madeira ilegal saindo de florestas inteiras derrubadas.

Como se não bastasse, entre os pesadelos ambientais do Brasil somam-se ainda a realidade dos esgotos a céu aberto e dos aterros sanitários deploráveis, onde brasileiros, em sua degradante tarefa de separação dos resíduos, disputam com ratos insetos e urubus, resíduos de diferentes categorias, não raro alimentos.

No ano de 2012 o Brasil atuou como anfitrião da Cúpula da ONU (Organização das Nações Unidas) para Desenvolvimento Sustentável, a Rio+ 20.  No encontro, estiveram representados cerca de 200 países de todo o mundo discutindo formas de convivência amistosa com o Planeta. Os batistas brasileiros, por seu turno, já haviam se antecipado com relação à pauta, elegendo em 2011 como seu tema anual: “Vida Plena e Meio Ambiente”, por compreenderem a  importância e a urgência de uma grande  mudança no comportamento social  nas questões relativas à sustentabilidade.

Em 2017, porém, diante da gravidade da crise porque passa o país, notadamente nos nos âmbitos da política e da economia por causa de uma profunda e abrangente crise moral, forçosamente os holofotes se voltaram em outras direções. Mas, também neste momento, os batistas brasileiros demonstram sua contextualização temática. Segundo relato de congressistas que estiveram presentes ao encerramento da 97ª. Assembleia da Convenção Batista Brasileira em Belém do Pará no mês de abril deste ano de 2017, a congregação entoou, muito enfaticamente, um antigo cântico com o qual se pretendia ensinar honestidade às crianças, que diz:  “Cuidado, mãozinha no que pega! ”.


Panorama mundial da sustentabilidade
Os países considerados os mais sustentáveis são os que melhor cuidam dos seus recursos naturais, investem em energias renováveis e garantem qualidade de vida à população.  De acordo com a EcoDesenvolvimento.org (EcoD. http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2016/posts/janeiro/os-10-paises-mais-sustentaveis-do-mundo-em-2016#ixzz4hC3F7l3P), os 10 países mais sustentáveis do mundo em 2016 são: Finlândia, Islândia, Suécia, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Portugal, Estônia, Malta e França. A mais recente edição do levantamento classificou 180 países com base em 20 indicadores distribuídos por 9 categorias: critérios de saúde ambiental; poluição do ar; recursos hídricos; biodiversidade e habitat; recursos naturais; florestas; energia e clima, entre outros, sendo que cada  categoria possui pesos diferentes. De acordo com o instituto, a  Finlândia lidera o ranking, com 90.68 pontos.

No mesmo levantamento, o Brasil apresentou uma melhora considerável em relação à edição 2014, saindo da 77ª posição para a 46ª. O país somou 78.90 pontos de 100 possíveis, mas na análise por categoria, embora o Brasil  tenha apresentado melhor desempenho no quesito qualidade do ar, com 91.78 pontos, saiu-se mal na preservação de recursos florestais, levando apenas 37.86 de 100 pontos, o que coloca o país em 83º lugar entre os que melhor cuidam de suas florestas.

Desperdício X sustentabilidade
Atualmente, mesmo com a incorporação de uma terminologia “sustentável” ao vocabulário das nações consideradas civilizadas, como: Consumo Consciente, Reciclagem, Produção Sustentável, Coleta Seletiva, Resíduos sólidos, Resíduos orgânicos, Compostagem, Customização, Redução de Resíduos Sólidos, Consumo Colaborativo, Consumo Responsável, Consumismo, Não ao Desperdício, Logística Reversa e outros, no nível da prática da sociedade os níveis de desperdício ainda são alarmantes.

Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), 30% dos alimentos produzidos no mundo são jogados fora antes mesmo de chegarem à mesa do consumidor.

Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), 30% dos alimentos produzidos no mundo são jogados fora antes mesmo de chegarem à mesa do consumidor. Boa parte deste desperdício está no desinteresse do mercado em produtos que fujam ao padrão estético estabelecido, como é o caso das frutas. Porém, na contramão desta tendência aparecem louváveis iniciativas, a exemplo de um projeto idealizado por uma engenheira ambiental de Portugal no ano de 2013.  Neste ano Izabel Soares ganhou um concurso com sua proposta de redução do descarte de frutas e legumes de qualidade porém com aparência comprometida.  O projeto, que foi abraçado por um grupo de  jovens de Lisboa, recebeu o nome de Fruta Feia. A ação da Cooperativa consiste em comprar diretamente dos produtores frutas e legumes que fujam do padrão estético exigido pelo mercado, mas que possuam qualidade no sabor e em seus nutrientes e vendê-los ao público por preços mais baratos. 

Com o prêmio do concurso, o grupo conseguiu o primeiro financiamento para desenvolver a iniciativa.  “A ideia tem sido muito bem sucedida, une agricultores que não tenham uma solução, um canal de escoamento para esses produtos feios e consumidores que não julguem a qualidade pela aparência e estão dispostos a comprá-los e um espaço onde podemos fazer a distribuição semanal das cestas”, explica a uma publicação, a idealizadora Izabel Soares. Segundo ela, o projeto, que foi implementado por grupo de apenas 40 pessoas, hoje possui mais de 420 consumidores associados e 2.050 em uma lista de espera.

Outra iniciativa que serve como exemplo contra o desperdício é o “Resíduo Zero”.  Surgido nos anos 70, Resíduo Zero é um conceito inspirado nos ciclos naturais de vida, eficientes e sustentáveis, em que tudo é transformado em outros recursos, sem desperdício e sobras. Na prática, este conceito confirma a máxima do cientista françês Antoine Lavoisier, reconhecido como um dos pais da moderna Química, que afirmou: “Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. 

O Resíduo Zero desenvolve práticas que visam minimizar os impactos no solo, na água, no ar e nos ecossistemas, em geral, que podem ser nocivos ou ameaçar a saúde planetária – animal e vegetal – e provocar irreversíveis alterações climáticas. Projetar e gerenciar produtos e processos para reduzir o volume e a toxicidade dos resíduos e materiais. Conservar e recuperar recursos naturais, etc. Iniciativas como “Resíduo Zero” surgem com o objetivo de engajar pessoas, comunidades e empresas a planejarem e gerenciarem seus resíduos. Por exemplo, a “Escola Resíduo Zero”, que é uma variante deste conceito, se propõe a  levar a educação ambiental à comunidade escolar, quebrando o paradigma do consumismo e do desperdício, por meio de ações pedagógicas focadas na Política Nacional de Educação Ambiental e Política Nacional de Resíduos Sólidos.

A propósito do combate ao desperdício, o próprio Jesus Cristo, o mestre dos mestres, deixa através dos Evangelhos um claro ensino. Após realizar um dos milagres de multiplicação de pães e peixes e tendo saciado a fome de uma multidão que o seguia, ordenara aos discípulos que recolhessem as sobras. E a narrativa dá contas de que a comida que sobrou encheu doze cestos. Embora, os textos bíblicos sobre multiplicação sugiram muitos outros ensinamentos em seus múltiplos e riquíssimos aspectos, o sentido de se prevenir o desperdício, neste caso particular, pode ser extraído até mesmo pelo leitor mais desatento.
 

Sustentabilidade e plenitude
Outros temas relacionados à sustentabilidade são recorrentes ao longo de toda a Bíblia, inclusive apontando problemas como em Romanos 8.21-22, que descreve um cenário de desolação e esperança: Na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora”.  

A sustentabilidade aponta para o resgate do estado original da criação. Segundo o Gênesis, o homem foi posto em um jardim como gestor, onde desenvolveria uma atividade de conservação e manutenção, sob sombra e água fresca. Ele desfrutaria ainda da companhia do Senhor que passeava por lá na viração do dia, certamente apreciando a obra sobre a qual emitira o seu atestado de qualidade.  Em Gênesis 1.31a  está escrito: “Então Deus contemplou toda a sua criação, e eis que tudo era muito bom”.
 
Carmelita Graciana. 

* Trabalho Publicado originalmente pela Revista Visão Missionária -  Ano 96- Numero 2 - Abril a Junho de 2018 - 2T18

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