sexta-feira, 27 de março de 2015

BENEDITA RODRIGUES FERREIRA TINHA O SONHO DE SE CASAR (JÁ PUBLICADOS)


Benedita Rodrigues Ferreira tinha o sonho de se casar


“Tenho muita alegria e sinto muita vitória por ter criado todos os meus filhos como gente de bem”.


 Carmelita Graciana


Benedita Rodrigues Ferreira, como a maioria das meninas brasileiras, tinha o sonho de se casar. Encontrou em seu primeiro namorado o homem com o qual realizaria este sonho e a ele prometeu viver, “até que a morte os separasse”. Porém, como grande parte das meninas latino-americanas e ocidentais, que, embora embaladas por cantos das Cinderelas, não chegam exatamente a habitar palácios, nem são tratadas como princesas.

Sentada em sua sala de visitas, com uma fisionomia doce e um sorriso meigo, aos 75 anos de idade, a aposentada relatou, com riqueza de detalhes, o drama que viveu por causa de um assunto recorrente, também experimentado por milhares de mulheres no mundo, a violência doméstica. O problema lhe absorveu horas, dias, meses e anos de sossego e parte considerável de sua mocidade, mas levou-lhe, literalmente, um pedaço do braço esquerdo, deformando-lhe também a perna direita.



1- Como começou seu drama relacionado à violência doméstica?
Meu marido era um homem muito inteligente e embora não tivesse frequentado escola, aprendeu sozinho a trabalhar com madeira e era muito bom naquilo que fazia e prosperávamos financeiramente. Fomos felizes durante os primeiros anos de casados, enquanto morávamos na zona rural e criávamos nossos sete filhos e não faltava o necessário para nenhum deles.  O problema começou quando passamos a residir em uma corrutela e ele se juntou a más companhias.  Penso que ele era um homem totalmente despreparado para o convívio social porque se deixou influenciar pelas ideias e práticas dos companheiros, aderindo-se ao álcool, ao mulherio e à ociosidade e tornando-se um homem violento. Passou a intimidar e a ameaçar a mim e às crianças todos os dias, de todas as formas, inclusive com frequência, corria atrás de nós, especialmente de mim, com uma grande faca que tinha. Era um sofrimento, você precisava ver.


2-Quando se deu o acirramento da violência contra a senhora?
Eu estava muito alegre de ter convertido e alegre de ir à igreja com meus filhos, mas ele, revoltado, aumentou a hostilidade para comigo e as crianças e passou a xingar demais os crentes e a igreja.  Para piorar, passou a ameaçar a vender nossa casa de morar, o único bem da família, que construímos com enorme sacrifício.


3-Quando, como e onde foi o episódio mais violento que a senhora sofreu?
Desde que nos mudamos para o povoado de Dianópolis (GO), eu trabalhava fazendo quitandas para vender na rua, auxiliada pelas crianças, para pagar as despesas da casa. Eu trabalhava demais com os meninos. Tínhamos de conseguir e carregar os feixes de lenha para o forno rústico, amassar os bolos ou biscoitos, pô-los em formas e assar. A última etapa era ir para as ruas e vendê-los.

Naquele dia, voltei da rua após uma caminhada exaustiva, trazendo um pouco de polvilho para as quitandas do dia seguinte.  Os filhos entraram antes de mim.  Um deles voltou e disse que seria melhor que eu não entrasse em casa. Eles tinham visto o pai afiando a tal faca com que sempre nos ameaçava. Entrei assim mesmo com o saco de polvilho que pus em cima da mesa e ele já veio para o meu lado com a faca, tentando me acertar. Corri pelo lado da casa até chegar a uma bodeguinha que havia perto de minha casa onde pedi ajuda. Mas sem tempo, ele chegou atrás e me desferiu um golpe para acertar a cabeça, mas a facona me acertou o braço esquerdo de modo que o pedaço que se desprendia ficou preso praticamente pela pele. Em seguida, também me atingiu fortemente na perna direita, à altura da coxa.  Caí desmaiada e, segundo contaram depois, o sangue jorrava com força. A cidade toda se juntou me acudindo e levando ao hospital onde recebi todo o cuidado possível por parte dos médicos, mas quanto ao braço não tinha mais o que fazer. O assunto teve forte repercussão e meu marido fugiu. Estava grávida de cinco meses de nossa oitava filha e ainda foi possível levar a gestação até o final, mesmo com muito sofrimento, mas a criança, uma menininha, faleceu alguns dias após o nascimento.

3-A senhora vê algum motivo como detonador da tentativa de homicídio contra a senhora?
O episódio que quase me levou à morte ocorreu logo depois de uma denúncia que fiz na delegacia da cidade, após uma de suas mais violentas investidas contra mim com a utilização da tal faca, que amolava todos os dias em nossa frente, depois de estragar por completo toda uma encomenda de bolos pronta para assar.

4-A senhora voltou a ter notícias sobre seu agressor?
Após o ocorrido, depois de ser tratada pelos médicos e fazer muitas adaptações físicas e mentais para a nova conjuntura e o novo formato de meu corpo, tive que viver ainda numa atmosfera de medo causado pela presença furtiva de meu ex-marido. Segundo informações, ele espreitava a casa na expectativa de concluir o que começara. Depois, vim, a saber, que ele se uniu a outra mulher e, ao tentar fazer a ela o mesmo que fizera a mim, também com uma faca, os filhos da mesma tiraram a vida dele.

5-Perdão, como a senhora lidou com este assunto, relacionado ao seu agressor?
Mediante o ocorrido, tive uma crise emocional e espiritual. Pensava que eu estava sendo punida. Sempre me perguntava qual seria o pecado tão grave que teria cometido ao ponto de Deus ter permitido que arrancassem um pedaço do meu corpo? Mas depois, vi o resultado positivo das bênçãos de Deus em minha família. Vi que até mesmo a aposentadoria que passei a receber por invalidez, me servia muito. E, diante das vitórias que o Senhor foi me concedendo na vida com minha família, eu consegui perdoar meu marido. Mediante o que Deus fez por mim, senti que não poderia deixar de perdoá-lo, mesmo considerando que ele tentou me matar e me deixou amputada. Hoje tenho uma vida maravilhosa com o Senhor e sou feliz porque sou livre, livre para viver esta vida.

6-O que a senhora pensa sobre uma mulher que vive sob o estigma da violência doméstica?
O casamento sempre teve embaraço e a vivência é muito difícil. Mas, parece que há uma polarização entre a mulher de antigamente que suportava tudo, era maltratada e até morta e por outro lado, a mulher que não tem firmeza nem paciência para enfrentar dificuldades no casamento. Parece-me que esta última, passou a encarar a vida de casada como uma coisa descartável e por qualquer motivo pede o divórcio.  Não vejo nestas duas condutas solução para a família. O que penso é que as pessoas estão muito desorientadas com relação à vida familiar. Creio que a solução está em Deus, só em Deus.

7-A senhora teria alguma palavra às mulheres que sofrem por este tipo de violência?
Penso que o que se tem que fazer é reunir, dar palestras e aconselhamento às pessoas que agridem seus familiares. Mas acredito que depende deles mesmos mudarem a mente mediante aconselhamentos. Pessoalmente, não vejo como solução prender o agressor. Hoje em dia existem leis específicas com relação ao assunto e continua tendo muita violência dentro de casa, principalmente contra as mulheres e crianças. Pode ser que coíba em algum grau, mas acredito que alguns se perdem irremediavelmente, dominados pela agressividade e pela revolta e tornam-se sem condições de convivência dentro da mesma casa. E, quando chegam a este ponto, não tem jeito, é melhor separar. Hoje eu sou feliz com meus filhos. Somente no Senhor há felicidade, para a família e para a pessoa.
 
Benedita Rodrigues Ferreira ladeada pelos sete filhos

*Entrevista publicada originalmente em Visão Missionária ANO 93 – NÚMERO 2 – ABRIL A JUNHO DE 2015 – 2T15

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