segunda-feira, 12 de março de 2018

" NEM EU TE CONDENO " - Considerações sobre a culpa

A primeira declaração de Adão após o pecado, começa com um arremedo de delação premiada:  “a mulher que tu me deste”. Detrás de uma moita, o primeiro homem, a um só tempo tenta transferir à mulher e ao próprio Deus a culpa pelo pecado que acabara de cometer assim que tomou posse do primeiro poder que lhe fora concedido, o livre arbítrio. Desde então, o pecado caminha com a humanidade, gerando tanto desastres e tragédias quanto dúvidas e controvérsias. Motivo pelo qual grande esforço é empreendido na tentativa de se encontrar culpados e aplicar punições. 

Em uma ocasião, a pessoas que se supunham guardiões da “moral e dos bons costumes”, Jesus Cristo formulou a conhecida e desconcertante frase: “aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra.” E, a  Bíblia relata que, após a sanguinária plateia se dissolver, ele iniciou um diálogo com  a “ré” em questão, pela pergunta: “-Mulher, onde estão os teus acusadores?” Em seguida, anunciou o veredito: “-Nem eu te condeno”. E, por último aplicou-lhe uma “medida socioeducativa”: “-Vai, e não peques mais”. 

O grupo de algozes, que se supunha um tribunal e desejava apenas um endosso à prática já consolidada socialmente, viria a saber que o Mestre promoveu um julgamento completo e justo, no qual o direito da parte mais frágil também foi levado em conta.

Em todos os tempos e culturas atribui-se a culpa, invariavelmente, à parte mais frágil. Mulheres, crianças, idosos, pessoas vulneráveis e até os animais têm encabeçado a lista. São alvos da descarga de toda a frustração, do destempero e do descompasso de uma sociedade desajustada e infeliz. Tornam-se algozes, as almas que transbordam de medo, de raiva e de desespero. Não raro de dentro das moitas, sob a mira da culpa. A violência contra os segmentos mais vulneráveis é um fenômeno histórico e humano, o que não é aceitável é reproduzi-lo justificando-o sob uma roupagem de moralismo e/ou religiosidade ou acovardar-se ante a sua ação, seja ela sutil ou aberta.

No último ano, uma declaração do então Ministro da Saúde do Brasil causou um certo mal estar entre setores mais esclarecidos. Segundo a imprensa local, ele teria responsabilizado as mulheres pela elevação das taxas de obesidade entre as crianças brasileiras. Polêmica à parte, fato é que a clássica pergunta: “onde foi que errei?” tem ecoado há séculos constando na lista obrigatória das mães ante eventuais fracassos e dramas de seus filhos. E, de igual modo, diante da realidade da crescente da dissolução dos casamentos, a mulher é levada a se sentir a maior responsável. Como se a mulher fosse a única guardiã da família e estivesse investida de todo o poder, ignorando que o casamento é uma sociedade entre duas partes com direitos e deveres, supostamente, igualmente distribuídos.

Há outras incontáveis situações em que, injustamente, é atribuída a culpa à mulher. Razão porque é importante reportar-se ao Gênesis onde o homem aparece acuado por sua culpa em uma frenética tentativa de transferi-la a outrem, buscando esquivar-se do desconforto, do desassossego e da infelicidade a que  estava sujeito por efeito colateral do pecado.

As ferramentas eficientes para a restauração do estado original de comunhão e compartilhamento do estado de graça entre criador e criatura são o arrependimento sincero e o perdão de Deus. Passado o ponto do arrependimento, da confissão e do perdão, torna-se muito desejável e prazeroso ouvir: “Nem eu te condeno”. Porém, é vital atentar à segunda parte da recomendação: “Vai e não peques mais”.

Isto remete também a Paulo que em 2 Coríntios 5.17, diz: “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.” Outro ponto que se torna essencial à compreensão sobre a culpa é que, pecados perdoados por Deus permanecem perdoados para sempre. No Salmo 103.1, Davi, que reencontrou a paz depois de ser perdoado de vários pecados, incluindo o adultério, afirma: “Quanto o oriente está longe do ocidente, tanto ele tem afastado de nós as nossas transgressões”. 

                                                                                                                                                                                          Carmelita Graciana.

* Texto publicado originalmente pela revista Visão Missionária Ano 96 - Numero 2 - ABRIL A  JUNHO de 2018                                                             

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