A
primeira declaração de Adão após o pecado, começa com um arremedo de delação
premiada: “a mulher que tu me deste”. Detrás
de uma moita, o primeiro homem, a um só tempo tenta transferir à mulher e ao
próprio Deus a culpa pelo pecado que acabara de cometer assim que tomou posse
do primeiro poder que lhe fora concedido, o livre arbítrio. Desde então, o
pecado caminha com a humanidade, gerando tanto desastres e tragédias quanto
dúvidas e controvérsias. Motivo pelo qual grande esforço é empreendido na
tentativa de se encontrar culpados e aplicar punições.
Em
uma ocasião, a pessoas que se supunham guardiões da “moral e dos bons
costumes”, Jesus Cristo formulou a conhecida e desconcertante frase: “aquele
que não tiver pecado, atire a primeira pedra.” E, a Bíblia relata que, após a sanguinária plateia
se dissolver, ele iniciou um diálogo com
a “ré” em questão, pela pergunta: “-Mulher, onde estão os teus
acusadores?” Em seguida, anunciou o veredito: “-Nem eu te condeno”. E, por
último aplicou-lhe uma “medida socioeducativa”: “-Vai, e não peques mais”.
O
grupo de algozes, que se supunha um tribunal e desejava apenas um endosso à
prática já consolidada socialmente, viria a saber que o Mestre promoveu um
julgamento completo e justo, no qual o direito da parte mais frágil também foi
levado em conta.
Em todos os
tempos e culturas atribui-se a culpa, invariavelmente, à parte mais frágil.
Mulheres, crianças, idosos, pessoas vulneráveis e até os animais têm encabeçado
a lista. São alvos da descarga de toda a frustração, do destempero e do
descompasso de uma sociedade desajustada e infeliz. Tornam-se algozes, as almas
que transbordam de medo, de raiva e de desespero. Não raro de dentro das
moitas, sob a mira da culpa. A violência contra os segmentos mais vulneráveis é
um fenômeno histórico e humano, o que não é aceitável é reproduzi-lo
justificando-o sob uma roupagem de moralismo e/ou religiosidade ou acovardar-se
ante a sua ação, seja ela sutil ou aberta.
No último
ano, uma declaração do então Ministro da Saúde do Brasil causou um certo mal
estar entre setores mais esclarecidos. Segundo a imprensa local, ele teria
responsabilizado as mulheres pela elevação das taxas de obesidade entre as
crianças brasileiras. Polêmica à parte, fato é que a clássica pergunta: “onde
foi que errei?” tem ecoado há séculos constando na lista obrigatória das mães
ante eventuais fracassos e dramas de seus filhos. E, de igual modo, diante da
realidade da crescente da dissolução dos casamentos, a mulher é levada a se
sentir a maior responsável. Como se a mulher fosse a única guardiã da família e
estivesse investida de todo o poder, ignorando que o casamento é uma sociedade
entre duas partes com direitos e deveres, supostamente, igualmente
distribuídos.
Há outras incontáveis
situações em que, injustamente, é atribuída a culpa à mulher. Razão porque é
importante reportar-se ao Gênesis onde o homem aparece acuado por sua culpa em
uma frenética tentativa de transferi-la a outrem, buscando esquivar-se do
desconforto, do desassossego e da infelicidade a que estava sujeito por efeito colateral do
pecado.
As ferramentas
eficientes para a restauração do estado original de comunhão e compartilhamento
do estado de graça entre criador e criatura são o arrependimento sincero e o
perdão de Deus. Passado o ponto do arrependimento, da confissão e do perdão,
torna-se muito desejável e prazeroso ouvir: “Nem eu te condeno”. Porém, é vital
atentar à segunda parte da recomendação: “Vai e não peques mais”.
Isto remete
também a Paulo que em 2 Coríntios 5.17, diz: “Assim que, se alguém está em
Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez
novo.” Outro ponto que se torna essencial à compreensão sobre a culpa é que,
pecados perdoados por Deus permanecem perdoados para sempre. No Salmo 103.1,
Davi, que reencontrou a paz depois de ser perdoado de vários pecados, incluindo
o adultério, afirma: “Quanto o oriente está longe do ocidente, tanto ele tem
afastado de nós as nossas transgressões”.
Carmelita Graciana.
* Texto publicado originalmente pela revista Visão Missionária Ano 96 - Numero 2 - ABRIL A JUNHO de 2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada por ter vindo!