Nenhum profissional sério
rubricaria um atestado de óbito, que trouxesse o medo como a causa da morte.
Porém, ninguém duvida de que o medo já matou muita gente ao longo da História
humana. No primeiro capítulo de Gênesis, o primeiro livro da Bíblia, em sua
primeira declaração após o pecado, Adão alegou que o medo o levou a se
esconder. A reação natural diante do medo é a fuga, porém, o que foi
extraordinário naquele primeiro episódio de medo relatado pela Bíblia foi a
presença de um amoroso interlocutor, verdadeiramente interessado em remediar a desordem
emocional que se instalara. O amoroso criador estimulou e auxiliou a Adão a ir
ao encontro da outra atitude possível diante do medo, tão mais desafiadora
quanto mais eficaz, o enfrentamento.
"Diante do medo, segundo especialistas, há duas opções: a fuga e a luta (ou enfrentamento)"
Medo, um sentimento universal
O medo vende
muitos produtos como filmes, medicamentos, sistemas de segurança e armas. O
medo é uma importante matéria prima da arte e da literatura, presente nas histórias
Infantis e nas lendas e frequenta, com muita desenvoltura, os noticiários. Pode
ainda, ser utilizado como ferramenta de contenção e ter objetivos de exploração
e dominação de mentes. Mas, nossa proposta aqui é analisarmos o medo, basicamente
sob dois aspectos, o biológico e o psicológico.
Em seu livro
O Desafio de Aprender ao longo da Vida, Guy Claxton, citando Keith Oatley
(1992) “towards a psychology of emotion (Cambrige: Cambrige University Press),
em capítulo que trata sobre os sentimentos na Aprendizagem, fala sobre decisões
e posturas que tomamos em decorrência das emoções a que estamos sujeitos ou
expostos como medo, ansiedade, raiva, angústia, tristeza, entre outros. Ele
afirma que, diante de tais emoções ou sentimentos, há basicamente duas opções:
a fuga e a luta (ou enfrentamento).
O homem é
munido biologicamente de um mecanismo de fuga, desde sua origem. O medo é uma
sensação que provoca no organismo um estado de alerta, diante de algo que se
acredita ser uma ameaça, que pode ser real ou não. Este estado de alerta é
extremamente importante para a sobrevivência humana. Uma pessoa sem medo algum,
estaria sujeita a se expor a situações perigosas nas quais arriscaria a própria
vida, sem antever possíveis consequências trágicas. Mas, embora imprescindível
e fazendo parte do desenvolvimento humano como eficiente recurso de defesa e
proteção, segundo estudiosos, em excesso e sem tratamento adequado, o medo pode
tornar-se patológico, transformando-se em fobias.
Há medos mais comuns, como o medo
de voar de avião (aviofobia), medo de tempestades, medo de escuridão
(Nictofobia, segundo Freud), medo de altura, medo de espaços pequenos e/ou
fechados (claustrofobia), medo de aranhas e cobras, medo de elevador, medo de
sapos, medo de lagartos, medo de ratos, de ir ao dentista, medo de altura, do escuro,
de trovão, medo do mar. Há medos bastante específicos como, por exemplo, medo de
palhaços, medo de bonecas antigas de porcelana, medo de espelhos, medo de água
(piscinas), medo de porcos, medo de borboletas, medo de golfinhos e baleias,
medo de mobílias antigas, medo de pássaros, medo de cavalos, medo de plantas,
medo de papel (barulho de unhas no papel), etc. Constam desta lista, outros, como, o medo
relacionado ao futuro, o relacionado à solidão, ao abandono e à rejeição.
Há quem tenha medo do futuro,
outros do presente e ainda outros, do passado. A maioria dos viventes, tem medo
da morte, razão pela qual centenas de milhares de habitantes no mundo se apegam
a tênues fiozinhos de esperança de cura para doenças incuráveis à espera de um
milagre para viverem. E, há, ironicamente, um número cada vez mais preocupante
dos que, por medo da vida, buscam a morte. Dados recentes de estudos da
Organização Mundial da Saúde (OMS), revelam que, pelo menos uma pessoa comete
suicídio no mundo a cada 40 segundos.
" O medo é uma sensação que provoca no organismo um estado de alerta, diante de algo que se acredita ser uma ameaça, que pode ser real ou não"
Cidadãos comuns e celebridades
estão igualmente sujeitos ao medo. A cantora Adele, por exemplo, não chega
perto de gaivotas porque uma delas roubou seu sorvete quando ela era criança. A
atriz Eva Mendes tem um medo terrível de água e não entra em piscina de jeito
nenhum. O galã Channing Tatum, por alguma razão, não sabe lidar com bonecas de
porcelana. O ator Keanu Reeves e Katy
Perry detestam o escuro. Segundo a cantora, ela realmente acredita que “muitas
coisas do mal acontecem no escuro”.
Adultos e crianças abrigam medos
em suas experiências e, segundo pesquisadores, os temores das crianças, em
muitos aspectos, são semelhantes aos temores dos pais, pois geralmente é daí
que eles surgem. O ambiente familiar é o causador da maioria dos temores
vivenciados pela criança em função da superproteção, ansiedade, rejeição, preocupação
e apreensão exagerada dos pais. Ameaças, advertências, exemplos por
contaminação e imitação também favorecem a aquisição de medos infantis. Experiências
pregressas desagradáveis do sistema familiar, protagonizadas por pais, avós e
cuidadores também influenciam diretamente a introjeção, a vivência e a
elaboração dos medos da própria criança. Por outro lado, há medos infantis
motivados por temas bastante realistas como a guerra. Kholud, uma menina de 15
anos de idade, filha de um jornalista residente em Sanaa, capital do Iêmen,
certa vez escreveu: "Nós, as
crianças do Iêmen, queremos concretizar nossas esperanças: estudar, brincar e
atingir nossas metas. Nós dormimos com medo, acordamos com medo e saímos de
nossas casas com medo".
O medo pode
comprometer drástica e profundamente a qualidade de vida de uma pessoa e de uma
sociedade, à medida que pode desencadear alguns dos muitos sintomas de doenças ou
enfermidades, como uma crise de ansiedade, um ataque cardíaco, o pânico. Ou,
pelo susto, pode provocar mesmo um acidente fatal. Segundo os estudiosos, o
medo pode ser classificado em três categorias, sendo o medo biológico, o medo
psicológico e o medo condicionado. Descrevem o medo biológico como o medo
normal da espécie, imprescindível à sobrevivência já que funciona como um
radar, alertando sobre eventuais perigos. Segundo eles, o medo biológico pode
evoluir para a segunda categoria, o medo psicológico, que é caracterizado por
um temor não relacionado com nenhum perigo imediato, concreto ou verdadeiro. Por
fim, dizem que, a partir do medo psicológico a pessoa pode vir a adquirir o
medo condicionado. Neste último tipo, a pessoa passa a evitar algo com o qual
estava familiarizada em decorrência de alguma situação de trauma experimentado
por ela. Psicólogos indicam psicoterapia, na maioria dos casos, para o medo
psicológico e o medo condicionado já que os mesmos podem levar a um quadro de
ansiedade mais difícil de ser tratado.
" ... em excesso e sem tratamento adequado, o medo pode tornar-se patológico, transformando-se em fobias"
O medo deve ser tratado?
Segundo
especialistas, não se fala em tratamento para o medo, a não ser nos casos em
que ele se torna irracional, como na fobia. De acordo com tais estudiosos, o
tratamento mais conhecido em psicoterapia é a Dessensibilização Sistemática,
que consiste numa aproximação sucessiva do sujeito em relação ao seu objeto de
pavor. Por exemplo, se uma pessoa desenvolve fobia em viajar de avião, a
técnica propõe exposições que, gradualmente se aproximam da viagem, como
balançar, olhar para baixo de um andar alto, entrar em um avião estacionado,
até que finalmente a pessoa aceite e consiga realizar a viagem. Outros
tratamentos são baseados em teorias, como as que propõem uma inserção na origem
do medo ou da fobia em traumas do passado, reais ou imaginários. Nesses casos,
quando se consegue compreender o trauma em seus mais diversos significados, os
medos tendem a diminuir significativamente. De qualquer forma, qualquer tratamento
visa a diminuir a níveis normais ou mais equilibrados, a resposta de alerta que
o medo gera.
Fora a
descrição da fuga de Adão provocada pelo medo, citada na introdução deste
trabalho, há pelo menos outras 17 referências diretas ao assunto, somente no livro
de Gênesis. O tema é recorrente ao longo dos outros 65 livros da Bíblia,
demonstrando que o medo é inerente à realidade humana. Patriarcas, profetas e
apóstolos também estiveram sujeitos ao medo em momentos pontuais de suas vidas.
O que é notável é que, felizmente, muitos deles descobriram e passaram a fazer
apologia do antídoto do medo, o amor. O apóstolo João, por exemplo, afirmou, em
I João 4.18: “No amor não há medo. Antes
o perfeito amor lança fora o medo; porque o medo envolve castigo; e quem tem
medo não está aperfeiçoado no amor. ” Paulo, por sua vez, em tempos de maturidade
emocional e espiritual, demonstrou uma real capacidade de enfrentamento ao medo
pela fé em Deus, o criador e sustentador do Universo, em Romanos 8.38-39,
declarando: "Porque eu estou bem
certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as
coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a
profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus,
que está em Cristo Jesus, nosso Senhor."
Carmelita Graciana.
* Trabalho publicado originalmente na revista Visão Missionária (Ed. UFMBB) , Ano 95-Número 2- Abril a Junho de 2017 - 2T17.
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