segunda-feira, 25 de setembro de 2017

AS DEMAIS COISAS



"É bom demais ter um par de pés para esquentar os pés da gente, em dias frios!  Disse uma mulher apaixonada a uma amiga que se tornara celibatária após uma grande decepção amorosa. Tempos depois, e já com dois filhos, a primeira recostava-se novamente aos ombros da segunda e em pranto descrevia a infelicidade de um relacionamento conjugal frio.     Felizmente, nem todos os casamentos terminam em drama. Geralmente, se salvam aqueles em que há grande investimento em amor e maturidade por parte dos dois envolvidos. Mas, fato é que, grande parte deles não ocorre por livre e espontânea vontade, o que constitui pelo menos uma entre as muitas razões de desastres na área de família.

Há poucas décadas no Brasil, as meninas que passavam dos 18 anos sem contrair matrimônio começavam a sofrer bullyng em razão de seu estado civil.  O casamento era, especialmente para a mulher, basicamente uma obrigação. Em grande parte dos casos ocorria mais para atender os reclames da sociedade do que a vontade ou interesses dos entes envolvidos. Muitos dos que contraíam núpcias jurando “até que a morte nos separe”, o faziam fugindo do estigma e tentando evitar a rejeição social pelo fato de se enquadrarem no grupo rotulado de “beatos”.

Entre os fatores que orientam ou induzem as pessoas a tomadas de decisões, mesmo com relação ao casamento e à formação de família, alguns são de ordem biológica, já que a procriação é limitada a uma faixa etária determinada. Porém, as pressões não param por aí. Há de se considerar, com relação a estado civil, também o medo da desaprovação e de certo grau de rejeição social. E, de acordo com o doutor em psicologia e especialista em terapia de casais, Guy Winch, em seu livro "Emotional First Aid" (Primeiros Socorros Emocionais), o sentimento de rejeição é provavelmente a ferida psicológica mais comum e recorrente de nossas vidas. Na mesma obra, o autor afirma: “as rejeições são os cortes e arranhões psicológicos que machucam a pele emocional e penetram na carne”. Em outro trecho ele informa ainda: “com a frequência das ocorrências, o rejeitado pode não conseguir formar uma carapaça e muitos sofrem tanto que a dor lhes inunda de raiva e solapa a autoestima”. O que poderia ajudar a explicar um pouco do mau humor e da rispidez de muita gente, incluindo tanto pessoas casadas, quanto solteiras. 

Outros especialistas concordam que o sentimento de rejeição traz uma dor semelhante à dor física. Alegam que tal sentimento provoca no indivíduo uma sensação semelhante à de uma faca enfiada no peito. O que a Ciência comprova não se tratar de mera figura de linguagem já que o terapeuta citado acima, Guy Winch, em seu livro "Emotional First Aid" (Primeiros Socorros Emocionais), também acima mencionado, refere-se a estudos que, por meio de ressonância magnética, mostram que a dor da exclusão social ativa no cérebro as mesmas áreas acionadas pela dor física. Já, uma anônima, que fora entrevistada sobre o mesmo assunto, foi além: “A rejeição é pior do que a dor física porque não tem remédio”.

“Meu pai ensinou a todos os filhos, tanto aos meninos quanto às meninas, que uma pessoa deve investir em si mesma para atingir um grau de integridade tal que não venha a depender de outra para ser feliz e realizada”, disse uma mulher solteira aos 65 anos de sua vida, bastante satisfeita com as escolhas que fizera. “E ele, que na defesa deste ponto de vista destoava e até enfrentava a visão da maioria de seus contemporâneos, estava certíssimo”, completou sorrindo aquela mulher alegre e bem resolvida.

Longe de ser solução, o casamento, como está posto, não é solução para os males desta sociedade enferma, mas um produto dela.  Do mesmo modo, a solteirice, não constitui um embaraço ou estorvo à felicidade como já se tentou fazer crer, sem sucesso.   O que comprova que a felicidade ou desventura jamais estiveram associados ao estado civil de qualquer pessoa. 

No momento em que o Senhor Deus, criador de todas as coisas, concluiu: “Não é bom que o homem esteja só”, fica claro que ele se referia ao relacionamento entre um homem e uma mulher, portanto, ao relacionamento conjugal. Porém, é seguro que sua assertiva ampliada se aplicaria a todo o conjunto da humanidade, onde as pessoas deveriam se relacionar estabelecendo e fortalecendo laços fraternos, vivendo como irmãos, de acordo com o traçado da primeira maquete de seu projeto original.

Este pensamento é compreendido e compartilhado por muitos ao longo de toda a História humana e bem sintetizado pelo  notável poeta inglês John Donne (1572-1631), que afirmou: “ Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti. ”

Paulo, o grande teólogo do Cristianismo, respondendo aos irmãos da Igreja de Corinto sobre o assunto de casamento para o cristão, tece algumas recomendações claras nas quais explicita seu próprio ponto de vista, distinguindo-o daquele do Senhor em alguns mínimos pontos.  Contudo, conclui o aconselhamento lembrando que todos, casados e solteiros, devem servir a Deus sem distração alguma. O que confirma outro conselho dado diretamente pelo Senhor Jesus Cristo, relatado pelo Evangelista Mateus, no qual recomenda a todos os seus seguidores, indistintamente: “Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça e todas as demais coisas, vos serão acrescentadas”.
Quanto à “Lista das Demais Coisas”, o que fica subentendido é que a mesma não estaria ao controle destes eventuais seguidores. Sua participação se restringiria à execução da primeira parte, claramente comunicada pela expressão contendo o verbo buscar, conjugado no modo Imperativo:  “Buscai primeiro”.

  * Publicado originalmente na revista Visão Missionária, Ano 95- Número 4- Outubro a Dezembro de 2017-4T17 
  
Carmelita Graciana



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