Conta-se que uma mãe, ao sepultar
o filho em cortejo pouco concorrido já que ele era um bandido bem conhecido na
região, repetia para si e para os dois coveiros que levavam o corpo à
sepultura: - “Ele assoviava tão bem!” Fictícia ou real, a curta história retrata um
sentimento universal que os pais desejam ter em relação a seus filhos, a
admiração. Sonhos que muitos pais, infelizmente, não podem realizar por
diferentes motivos.
A expressão é utilizada para classificar o perfil do jovem que nem estuda, nem trabalha - uma realidade para cerca de 39 milhões de jovens em 33 países industrializados
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Dados divulgados pelo IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), dão conta de que neste
início de 2017, os brasileiros desempregados ultrapassam a cifra de 13 milhões,
devido a uma gravíssima crise causada pela combinação de incompetência e
desonestidade, recentemente sendo elucidada graças a doses muito generosas de
outra mistura: honestidade e coragem. Porém, o assunto sobre o qual falaremos
aqui não está diretamente relacionado às crises política e econômica enfrentadas
pelo Brasil, mas a outra crise de natureza mais silenciosa e mais sutil, que
vem preocupando a estudiosos de diferentes áreas já que o fenômeno se apresenta
ao nível de comportamento social, a chamada “Geração nem-nem”.
Diferentemente daquele grupo já
conhecido por Geração Canguru que é formado por jovens de 25 a 34 anos, que
continuam morando na casa dos pais enquanto investem seus próprios recursos em
aprimoramento profissional, por exemplo, o conceito ‘Geração nem-nem’ descreve também jovens que permanecem na casa
dos pais, porém sem perspectivas nem com
relação a trabalho nem a estudos, daí o nome “nem-nem”. Este nicho de juventude
compreendido entre as etárias de 18 a 25 anos de idade, geralmente permanecem
na casa dos pais ou avós na condição de dependentes, acomodados com relação à
busca por autonomia e, não raro, negam a sua contrapartida no que diz respeito
à divisão de tarefas ou de obrigações de seu grupo familiar.
O fenômeno, que é mundial, no
Brasil vem sofrendo um considerável aumento desde o ano de 2014. Estatísticas dão conta de que um em cada
cinco brasileiros pertence a este grupo, que vem sendo estudado em duas
categorias: “nem-nem alcochoados” e “nem-nem desfamiliarizados”. Tal segmento
de juventude está sendo comparado a uma bomba-relógio que poderá comprometer dramaticamente
o futuro do Brasil. Lamentavelmente, um país que já está com seu presente
profundamente comprometido pela ocorrência das condutas acima mencionadas, também
afetas ao campo da moral e da ética, entretecidas na teia social de processos
educativos, comprovadamente desastrosos.
COMPREENDENDO O PROBLEMA
Se, por um
lado existem pais negligentes, que mal podem esperar que os filhos “batam
asas’, tomando conta de si mesmos, há outro grupo dos que tentam proteger os
filhos indefinidamente e, ao contrário do que desejam, criam filhos
superestimulados, superprotegidos e inseguros. O comportamento denominado
Hiperpaternidade, está descrito neste segundo grupo. A Hiperpaternidade nasce
como a perversão de um modelo educativo no qual se defende que é necessário
aumentar a atenção e o cuidado que os pais dedicam aos seus filhos. Em geral, o
resultado é que, com esta conduta, os pais estão limitando a independência, a
liberdade e o desenvolvimento da autonomia dos filhos.
A senhora
Eliane Mohn Nogueira Rosa, brasileira, goiana, dona de casa, mãe, avó e
auxiliar de berçário na Primeira Igreja Batista em Goiânia, está alinhada com
este ponto de vista: “Acredito que, sem
perceber, especialmente a mãe brasileira pode estar fazendo um grande mal aos
filhos ao ‘segurá-los’ em casa, poupando-os de trabalhos domésticos, deixando
de lhes delegar progressivamente as responsabilidades que são capazes de
assumir”, afirma. Ela acredita que
os pais que assim procedem têm a legítima, mas equivocada intenção de
protegerem o filho e lembra que em alguns casos, especialmente as mães, o fazem
por motivos menos altruístas como, medo de se sentirem sozinhas ou inúteis,
especialmente se, em algum momento na vida abdicaram de carreiras ou sonhos,
optando unicamente pela maternidade.
"Passamos da época em que tínhamos filhos "móveis",
aos quais fazíamos pouco caso, para ter filhos altar,
a quem veneramos"
" A criança sente necessidade de ser repreendida
do mesmo modo que ser elogiada e ser amada.
Se nunca aprender que existe " não",
estará despreparada para a vida real,
onde a presença do "sim" é mais
exceção do que regra"
Este pensamento está em linha com
alguns estudiosos do problema como a jornalista e escritora Eva Millet, que
trata deste assunto de forma muito didática em um de seus mais recentes livros:
“Passamos
da época em que tínhamos filhos ‘móveis’, aos quais fazíamos pouco caso, para
ter filhos altar, a quem veneramos” .
CORRIGINDO O PROBLEMA
Do lado dos
pais, considerando que boa parte deles passa muito tempo longe dos filhos, há o
medo de desagradar durante os escassos momentos que desfrutam juntos, razão
pela qual tendem a uma espécie de compensação dando aos filhos mais coisas
materiais do que precisam e deixam de fazer objeção a muitos de seus caprichos.
Fora isso, o ambiente da casa atual passou a ter aspecto de hotel, tem
acomodações confortáveis, decoração caprichada e aparato tecnológico
moderno, onde gente estranha entra e sai
com frequência.
Neste
ambiente, os indivíguos, incluindo as crianças, recebem uma gama enorme de
mensagens de múltiplas fontes e diferentes abordagens o que requereria um
acompanhamento eficiente para ajudar na formação de opinião. Neste ambiente com
uma infinidade de escolhas é praticamete impossível que a pessoa nesta faixa
etária, por si só, desenvolva com
clareza até mesmo conceitos primários como o de certo e errado. E o resultado é
que, sem acompanhamento eficiente, estão crescendo sem bússola e chegando à
fase adulta sem rumo. Alguma segurança
que pode ser percebida neste contexto, em geral, pode ser creditada à
convivência e atuação de avós dedicados que têm participado ativamente da
educação dos netos.
Um dos
depoimentos tomados para esta matéria revelou uma lúcida conclusão sobre outro
aspecto do processo educativo. A entrevistada criticou severamente a ausência
de disciplina a que as crianças estão expostas atualmente. Ela disse que o
completo banimento de correção aplicado às crianças, é o grande responsável
pelo surgimento da “Geração nem-nem”. Defendeu que a sociedade deveria voltar a
adotar símbolos físicos de disciplina e autoridade como “o chinelo cor- de-
rosa”, “o cinto atrás da porta” ou mesmo
aquele chapéu empoeirado do vovô em um
canto de parede. “Símbolos como estes têm
sua validade no imaginário da criança”, justificou. E, concluiu sua tese relatando:
“Meu pai batia com o cinto, mas só após
um sermão. Mas, a explicação dos motivos da correção na ‘conversa’ era tão
contundente, que a gente ficava torcendo para passar à fase mais leve da
correção, às vias de fato”.
Interessante
observar que, em face dos muitos problemas relacionados à juventude atual e a
suas nefastas, abrangentes e duradouras consequências, pais, educadores e psicológos
neste início de Séc. XXI têm reorientado seu pensamento no que diz respeito à
delimitação de limites. O que é curioso notar com relacão a tal
redirecionamento sobre o estabelecimento de limites, é que eles já estavam
previstos a cerca de 1000 anos antes de Cristo. A recomendação aparece, por
exemplo, no livro de Provérbios, um dos livros sapienciais do Antigo Testamento
da Bíblia, em Pv. 29.15, com a explícita justificativa: “A vara da correção dá
sabedoria, mas a criança entregue a si mesma envergonha a sua mãe”.
Uma das mães
entrevistadas para este trabalho, defendeu uma antiga e conhecida fórmula: “A pessoa precisa estar ocupada. Jovens
precisam trabalhar e estudar. Na casa de minha mãe, havia empregados, porém
cada criança também tinha a sua tarefa. Penso que os pais, independentemente da
classe social, devem dar tarefinhas às suas crianças e ensiná-las na realização
das mesmas, fazendo junto nas primeiras vezes. O valor do trabalho excede o
valor do salário que se recebe por ele. Ele contém outros valores como ética e
autonomia”. Esta mãe, que preferiu que seu nome não figurasse aqui, por
razões óbvias, defendeu ainda que as crianças precisam conhecer oposição. Segundo ela, a oposição serve para dar
segurança à pessoa. “A criança sente necessidade
de ser repreendida do mesmo modo que ser elogiada e ser amada. Se nunca
aprender que existe “não”, estará despresparada para a vida real, onde a
presença de ‘sim’ é mais excessão do que regra”, arremata.
Carmelita
Graciana.
* Artigo publicado originalmente na revista Visão Missionária ANO 95- NÚMERO 3 - Julho a setembro de 2017 - 3TR17.
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