domingo, 13 de agosto de 2017

"GERAÇÃO NEM-NEM"

Conta-se que uma mãe, ao sepultar o filho em cortejo pouco concorrido já que ele era um bandido bem conhecido na região, repetia para si e para os dois coveiros que levavam o corpo à sepultura: - “Ele assoviava tão bem!”  Fictícia ou real, a curta história retrata um sentimento universal que os pais desejam ter em relação a seus filhos, a admiração. Sonhos que muitos pais, infelizmente, não podem realizar por diferentes motivos.   




A expressão é utilizada para classificar o perfil do jovem que nem estuda, nem trabalha - uma realidade para cerca de 39 milhões de jovens em 33 países industrializados 
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Dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), dão conta de que neste início de 2017, os brasileiros desempregados ultrapassam a cifra de 13 milhões, devido a uma gravíssima crise causada pela combinação de incompetência e desonestidade, recentemente sendo elucidada graças a doses muito generosas de outra mistura: honestidade e coragem. Porém, o assunto sobre o qual falaremos aqui não está diretamente relacionado às crises política e econômica enfrentadas pelo Brasil, mas a outra crise de natureza mais silenciosa e mais sutil, que vem preocupando a estudiosos de diferentes áreas já que o fenômeno se apresenta ao nível de comportamento social, a chamada “Geração nem-nem”.

Diferentemente daquele grupo já conhecido por Geração Canguru que é formado por jovens de 25 a 34 anos, que continuam morando na casa dos pais enquanto investem seus próprios recursos em aprimoramento profissional, por exemplo, o conceito ‘Geração nem-nem’  descreve também jovens que permanecem na casa dos pais, porém sem perspectivas  nem com relação a trabalho nem a estudos, daí o nome “nem-nem”. Este nicho de juventude compreendido entre as etárias de 18 a 25 anos de idade, geralmente permanecem na casa dos pais ou avós na condição de dependentes, acomodados com relação à busca por autonomia e, não raro, negam a sua contrapartida no que diz respeito à divisão de tarefas ou de obrigações de seu grupo familiar.

O fenômeno, que é mundial, no Brasil vem sofrendo um considerável aumento desde o ano de 2014.  Estatísticas dão conta de que um em cada cinco brasileiros pertence a este grupo, que vem sendo estudado em duas categorias: “nem-nem alcochoados” e “nem-nem desfamiliarizados”. Tal segmento de juventude está sendo comparado a uma bomba-relógio que poderá comprometer dramaticamente o futuro do Brasil. Lamentavelmente, um país que já está com seu presente profundamente comprometido pela ocorrência das condutas acima mencionadas, também afetas ao campo da moral e da ética, entretecidas na teia social de processos educativos, comprovadamente desastrosos. 

COMPREENDENDO O PROBLEMA 
Se, por um lado existem pais negligentes, que mal podem esperar que os filhos “batam asas’, tomando conta de si mesmos, há outro grupo dos que tentam proteger os filhos indefinidamente e, ao contrário do que desejam, criam filhos superestimulados, superprotegidos e inseguros. O comportamento denominado Hiperpaternidade, está descrito neste segundo grupo. A Hiperpaternidade nasce como a perversão de um modelo educativo no qual se defende que é necessário aumentar a atenção e o cuidado que os pais dedicam aos seus filhos. Em geral, o resultado é que, com esta conduta, os pais estão limitando a independência, a liberdade e o desenvolvimento da autonomia dos filhos.

A senhora Eliane Mohn Nogueira Rosa, brasileira, goiana, dona de casa, mãe, avó e auxiliar de berçário na Primeira Igreja Batista em Goiânia, está alinhada com este ponto de vista: “Acredito que, sem perceber, especialmente a mãe brasileira pode estar fazendo um grande mal aos filhos ao ‘segurá-los’ em casa, poupando-os de trabalhos domésticos, deixando de lhes delegar progressivamente as responsabilidades que são capazes de assumir”, afirma.  Ela acredita que os pais que assim procedem têm a legítima, mas equivocada intenção de protegerem o filho e lembra que em alguns casos, especialmente as mães, o fazem por motivos menos altruístas como, medo de se sentirem sozinhas ou inúteis, especialmente se, em algum momento na vida abdicaram de carreiras ou sonhos, optando unicamente pela maternidade.
"Passamos da época em que tínhamos filhos "móveis", 
aos quais fazíamos  pouco caso, para ter filhos altar, 
a quem veneramos"

Eliane acredita ainda, que a sociedade é corresponsável pelo o modelo educativo equivocado vigente e, ao mesmo tempo, também vítima. “Esta sociedade está produzindo uma geração mimada e sem limites que desconhece a autoridade. Vivemos em ambiente onde foi negado aos pais o direito de dar uma palmada na criança. Erramos ao poupar nossos filhos, erramos por excesso de proteção, erramos sem querer, mas erramos. E esta é a razão pela qual se desrespeita o professor, desrespeita o idoso, desrespeita-se a todos. A criança foi posta no topo do mundo e, vai crescendo acreditando que ela é a dona dele”, conclui.  
" A criança  sente necessidade de ser repreendida
do mesmo modo que ser elogiada e ser amada. 
 Se nunca aprender que existe " não",
 estará  despreparada  para a vida real, 
onde a presença do "sim" é mais 
exceção do que regra" 

Este pensamento está em linha com alguns estudiosos do problema como a jornalista e escritora Eva Millet, que trata deste assunto de forma muito didática em um de seus mais recentes livros: “Passamos da época em que tínhamos filhos ‘móveis’, aos quais fazíamos pouco caso, para ter filhos altar, a quem veneramos” .

CORRIGINDO O PROBLEMA
Do lado dos pais, considerando que boa parte deles passa muito tempo longe dos filhos, há o medo de desagradar durante os escassos momentos que desfrutam juntos, razão pela qual tendem a uma espécie de compensação dando aos filhos mais coisas materiais do que precisam e deixam de fazer objeção a muitos de seus caprichos. Fora isso, o ambiente da casa atual passou a ter aspecto de hotel, tem acomodações confortáveis, decoração caprichada e aparato tecnológico moderno,  onde gente estranha entra e sai com frequência.

Neste ambiente, os indivíguos, incluindo as crianças, recebem uma gama enorme de mensagens de múltiplas fontes e diferentes abordagens o que requereria um acompanhamento eficiente para ajudar na formação de opinião. Neste ambiente com uma infinidade de escolhas é praticamete impossível que a pessoa nesta faixa etária, por si só,  desenvolva com clareza até mesmo conceitos primários como o de certo e errado. E o resultado é que, sem acompanhamento eficiente, estão crescendo sem bússola e chegando à fase adulta sem rumo.  Alguma segurança que pode ser percebida neste contexto, em geral, pode ser creditada à convivência e atuação de avós dedicados que têm participado ativamente da educação dos netos.

Um dos depoimentos tomados para esta matéria revelou uma lúcida conclusão sobre outro aspecto do processo educativo. A entrevistada criticou severamente a ausência de disciplina a que as crianças estão expostas atualmente. Ela disse que o completo banimento de correção aplicado às crianças, é o grande responsável pelo surgimento da “Geração nem-nem”. Defendeu que a sociedade deveria voltar a adotar símbolos físicos de disciplina e autoridade como “o chinelo cor- de- rosa”, “o cinto atrás da porta”  ou mesmo aquele chapéu  empoeirado do vovô em um canto de parede. “Símbolos como estes têm sua validade no imaginário da criança”, justificou. E, concluiu sua tese relatando: “Meu pai batia com o cinto, mas só após um sermão. Mas, a explicação dos motivos da correção na ‘conversa’ era tão contundente, que a gente ficava torcendo para passar à fase mais leve da correção, às vias de fato”.  

Interessante observar que, em face dos muitos problemas relacionados à juventude atual e a suas nefastas, abrangentes e duradouras consequências, pais, educadores e psicológos neste início de Séc. XXI têm reorientado seu pensamento no que diz respeito à delimitação de limites. O que é curioso notar com relacão a tal redirecionamento sobre o estabelecimento de limites, é que eles já estavam previstos a cerca de 1000 anos antes de Cristo. A recomendação aparece, por exemplo, no livro de Provérbios, um dos livros sapienciais do Antigo Testamento da Bíblia, em Pv. 29.15, com a explícita justificativa: “A vara da correção dá sabedoria, mas a criança entregue a si mesma envergonha a sua mãe”.

Uma das mães entrevistadas para este trabalho, defendeu uma antiga e conhecida fórmula: “A pessoa precisa estar ocupada. Jovens precisam trabalhar e estudar. Na casa de minha mãe, havia empregados, porém cada criança também tinha a sua tarefa. Penso que os pais, independentemente da classe social, devem dar tarefinhas às suas crianças e ensiná-las na realização das mesmas, fazendo junto nas primeiras vezes. O valor do trabalho excede o valor do salário que se recebe por ele. Ele contém outros valores como ética e autonomia”. Esta mãe, que preferiu que seu nome não figurasse aqui, por razões óbvias, defendeu ainda que as crianças precisam conhecer oposição. Segundo ela, a oposição serve para dar segurança à pessoa. “A criança sente necessidade de ser repreendida do mesmo modo que ser elogiada e ser amada. Se nunca aprender que existe “não”, estará despresparada para a vida real, onde a presença de ‘sim’ é mais excessão do que regra”, arremata.

Carmelita Graciana.

* Artigo publicado originalmente na revista Visão Missionária  ANO 95- NÚMERO 3 - Julho a setembro de 2017 - 3TR17.

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