O filme que recebeu no Brasil o
nome de “Querida, Encolhi as Crianças” e tornou-se um grande sucesso do cinema nos anos 1990, relata que
o cientista Wayne Szalinski constrói uma máquina que, acidentalmente, encolhe
seus filhos e, os do vizinho
também, levando-os a um mundo cheio de perigos.
A história trágica, com um toque
de humor, descreve o pânico provocado pelo encolhimento das crianças que, em
tamanhos menores do que formigas e no meio de um jardim, são constantemente
ameaçadas por monstros gigantescos e tempestades intermináveis.
Diferentemente
da ficção da ‘telona’, também assistida por milhares de famílias ocidentais, na
“telinha”, torcendo pela reversão do erro e pela volta dos personagens ao
estágio original, o fenômeno que está sendo denominado “encurtamento da
infância”, tem consequências absolutamente irreversíveis. Razão pela qual, a
temática já figure entre as grandes preocupações dos estudiosos da faixa
etária, na atualidade.
Breve História da Infância
Definida como o período que vai
do nascimento até aproximadamente o décimo segundo ano de vida de uma pessoa, a
infância é uma fase de grande desenvolvimento físico, marcado pelo crescimento
da altura e do peso da criança - especialmente nos primeiros três anos de vida
e durante a puberdade. Neste período especial, o ser humano desenvolve-se
também psicologicamente e sofre notáveis mudanças no comportamento, tempo em
que é formada a base de sua personalidade. Estudiosos concordam que a criança é
um ser em construção e se transforma de acordo com o tipo de sociedade e
ambiente em que vive e estes, imprimem grande influência em seu crescimento
físico e psicológico.
O historiador,
Philippe Ariès, considerado um dos mais respeitados pesquisadores sobre a infância,
afirmou em seu trabalho História Social da Criança e da Família (1978): “Desde
a antiguidade, mulheres e crianças eram consideradas seres inferiores que não
mereciam nenhum tipo de tratamento diferenciado, sendo inclusive a duração da
infância reduzida. Por volta do século XII era provável que não houvesse lugar
para a infância, uma vez que a arte medieval a desconhecia” (ARIÈS, 1978).
O
pensamento de Ariès se apresenta como uma importante fonte de conhecimento por
ser pioneiro na análise e concepção da infância, trabalho no qual fica
demonstrado que, a partir do século XII, a infância é bastante frágil e
desvalorizada, que na Idade
Média não havia sentimento de infância e que a criança era tratada como uma espécie de instrumento de
manipulação ideológica dos adultos e que a partir do momento em que elas
apresentavam independência física, eram logo inseridas no mundo adulto. Deste
modo, a criança não passava pelos estágios da infância estabelecidos pela
sociedade atual. Para o pesquisador, o sentimento de infância foi desenvolvido
dentro de um processo histórico, que levou ao reconhecimento social do valor da
infância, somente na modernidade.
Em sua avaliação, condições econômicas, sociais e culturais também
interferem na condição da vivência da infância, admitindo que, nem todas as
crianças terão as particularidades da infância reconhecidas e praticadas. A tese de Ariès indica o surgimento da
concepção de infância, apenas no século XVII, junto com as transformações que
começariam a se processar na transição para a sociedade moderna. Assim, para
este autor, na história da construção do sentimento de infância, percebe-se que
a trajetória da criança é marcada pela discriminação, marginalização e pela
exploração. O trabalho
de Ariès foi criticado por alguns historiadores, aceito como ponto de partida
de estudo para outros, porém muito bem recebido por psicólogos e sociólogos.
Contrapondo
o trabalho de Ariès alguns historiadores apontaram indícios de que se pensava
sim nas crianças, não podendo então afirmar a ausência de sentimento de
infância. Para Nicholas
Turker, um psicólogo da área educacional, escritor e estudioso britânico, cada
sociedade cria seu próprio significado de infância. Ele afirma que na grande
maioria, a infância é resultado das expectativas dos adultos. Assim, quando se
quer estudar sobre infância em qualquer época, primeiro, estuda-se os adultos.
Com Nicholas
Turker, concorda o filósofo Professor David Archard, autor de várias obras na
área da infância, tais como: Children, Family and State, Sexual Consent e The
Family: a liberal Defense, que
sugeriu que, em diferentes épocas, a sociedade teve o conceito de infância variando
em suas concepções e nas ideias relacionadas ao entendimento do que é ser
criança.
Adultização
da Infância
Uma das formas mais diretas de se
“encurtar a infância” é pela via da adultização das crianças. A adultização se dá pela adoção de comportamentos
mais ou menos pulverizados na vida social, que aparecem, ora mais eloquentes
ora mais discretos, trazidos através da moda, dos jogos eletrônicos, da
produção cultural como nos filmes e, ironicamente, pelas “programações
lúdicas”.
Um episódio em especial,
ocorrido no Brasil no ano de 2011, trouxe à tona o tema da adultização.
Tratava-se da divulgação de uma campanha publicitária que propunha vender um
modelo de sutiã com bojo ou enchimento para ser usado por meninas de seis anos
de idade. O modelo, produzido por uma marca infantil mundialmente conhecida,
chegou a ser comercializado em uma tradicional rede brasileira de varejo.
Porém, mediante grande polêmica, gerada entre educadores, estudiosos do
comportamento e psicólogos no país, que acusaram os agentes envolvidos de
incentivarem a erotização e promoverem a antecipação da sexualidade nas
crianças de seis anos de idade, foi retirado das prateleiras.
A adultização da
infância ou antecipação da idade adulta, é um problema que não está restrito à
sociedade brasileira. A indústria dos conhecidos Concursos de Beleza que
ocorrem na América Latina, por exemplo, são amostra real da adultização. Para
estes eventos, são recrutadas meninas muito pequenas e se lhes incutem valores
e padrões do ideal da beleza adulta como proposta ou sonho para a criança
seguir.
Os estratagemas podem
variar de grupo para grupo, dependendo dos diferentes objetivos, em geral nunca
relacionados a qualquer interesse das crianças envolvidas. Porém, tal
comportamento, que subtrai a infância das crianças, embora não se apresente
grosseiramente violento e perverso, pode contribuir para explicar mazelas
sociais não explicadas presentes no conjunto da sociedade pós- moderna. Entre
as consequências enumeradas pelos estudiosos como decorrentes da promoção da
adultização ou encurtamento da infância, está a infantilização de adultos, que
ocorre em função de se promover esta “queima de etapas”, induzir ou forçar as
crianças a um amadurecimento rápido demais.
Tais estudiosos alegam que, ao deixar de vivenciar
a infância plenamente, os adultos pseudo amadurecidos, tendem a,
inconscientemente, voltar a essa fase na tentativa de recuperar algo perdido,
tornando-se adultos infantilizados. O que sugere repensar tantas atividades a que as crianças de hoje
são chamadas a realizarem, a repensar a tripla jornada a que a mãe está sujeita,
deixando os filhos pequenos sob os cuidados de terceiros com os quais não
necessariamente estabelecem vínculos. Autoridades no assunto admitem que, certamente,
muito da degradação dos relacionamentos interpessoais, notadamente inconsistentes e deploráveis de nossos dias,
relacionem direta ou indiretamente ao “Encurtamento da Infância”.
Com
relação ao encurtamento da infância, não há ilusões. O fenômeno social vem
servir às causas de exploração e deformação da própria infância. O furto dos
anos iniciais das crianças para submetê-las ao submundo repugnante da
exploração sexual, ao odioso tráfico de drogas e de gente e, mais recentemente,
ao terrorismo radical das facções terroristas e insanas, tem um elevadíssimo
custo social para toda a humanidade. A criança formada em tal conjuntura,
pertencente a uma geração sem causa e habitante de um mundo sem rumo, está mais
vulnerável ao doutrinamento para causas mais radicais como as relacionadas à
destruição e à morte, às ideologias do horror como se tem assistido no mundo
atual. Assim, destruir a infância de algumas gerações, pode afetar toda a
comunidade na terra, direta ou indiretamente.
Em
Janeiro deste ano de 2015, o chefe de um grande grupo religioso no mundo causou
estranheza quando aconselhou aos fiéis que não sejam como coelhos tendo um
número muito grande de filhos porque pôr filhos no mundo pressupõe uma grande
responsabilidade. A fala do líder causou grande polêmica, já que seu grupo
oficialmente condena os métodos contraceptivos tradicionais. Porém, o
pensamento do líder coaduna com uma ideia social sobre a responsabilidade da
paternidade, veiculada nas redes sociais para o grande público. Na postagem,
aparece um cartaz com a imagem de uma senhora bonita e distinta, com o dedo em
riste para o leitor, colocada ao lado de uma inscrição que diz: “Filho é algo muito sério e precisa de cuidados,
amor, atenção e educação. Um filho precisa de uma parte de sua vida dedicada a
ele. Se você não é capaz de abrir mão de certas coisas, NÃO TENHA UM FILHO”.
Nota: Trabalho (Texto e Imagem) publicado originalmente na Revista Visão Missionária Ano 93- Número 4 - Outubro a Dezembro de 2015- 4T15.
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