terça-feira, 20 de setembro de 2011

O BEIJO DA REDENÇÃO (Outros Autores)



Certa vez, na Inglaterra, em lúgubre prisão,

Mrs.Booth exercia a sagrada missão
De pregar o evangelho a todo o condenado...
...A todo que sentisse a culpa do pecado...

Levando a cada qual a plácida esperança
De outra vida melhor, firmada na confiança

Num Deus que tudo pode e tudo justifica,
No amor que dá perdão, na fé que santifica.



Mrs. Booth parava em cada cela e, atenta,
Ouvia as queixas mil de cada detenta
E, depois, lhes pregava a mensagem da cruz:
“Eterna salvação no sangue de Jesus!”...


De repente, ela ouviu uns gritos de mulher,
Vindos perto dali, de uma cela qualquer.
Correu para o lugar de onde escutara os brados,
E viu, aos empurrões, levada por soldados,
Uma pobre mulher de pálido semblante,
Em cujo olhar faiscava um ódio provocante.
De quem, não tendo nada mais para perder,
Procura, na desgraça, o alívio de morrer!...


Os soldados em vão procuravam detê-la:
Cabelo em desalinho, o rosto em sangue... Ao vê-la,
Mrs. Booth sentiu pela infeliz criatura
Infinita piedade e inaudita ternura.
E, em vez de condená-la, amou-a profundamente.
Porque seu coração estava plenamente
Cheio de paz celeste e bondade cristã.


- Que poderei fazer por essa minha irmã?
(Perguntou a si mesma) E a resposta imediata
Foi aquela vontade ardente que a arrebata,
Num impulso de amor, para depositar
Na face da infeliz um beijo singular...
Fê-lo com rapidez, quando, na confusão,
A pobre era lançada no fundo da prisão.


Sem perceber qual fora a pessoa querida
Que lhe havia osculado a face dolorida,
Deixou de praguejar e, ansiosa, perguntou:
- Quem foi que me beijou? Quem foi que me beijou?


Os soldados, porém, sem prestar atenção
Aos rogos da infeliz, trancaram-lhe na prisão
Dizendo-lhe: - Estás louca! Acaso alguém no mundo
Beijaria este rosto envelhecido e imundo?!


No entanto, a desgraçada outra vez indagou:
- Quem foi que me beijou? Quem foi que me beijou?


Mrs.Booth ficou bastante impressionada;
E, no dia seguinte, na hora acostumada,
Ao presídio voltou.


A velha carcereira
Que houvera presenciado à cena derradeira
Da prisão, disse: – Aquela excêntrica mulher
Parece alucinada, a todo instante quer
Saber quem a beijou, ontem, lá no saguão,
Quando era conduzida às grades da prisão.


Mrs. Booth seguiu e entrou na fria cela.
Vendo-a, a pobre se ergueu e perguntou a ela:
- Ontem, quando a senhora, à tarde aqui chegou,
Por acaso não viu quem foi que me beijou?
Devia ser alguém diferente de todos,
Que só me querem mal, só me lançam apodos...


Sim, alguém diferente, algum bom coração
Que teve de mim profunda compaixão.
Pois ninguém vem a mim para me confortar;
Para me falar de amor ou para me ofertar
Um pouco de ilusão, um nada de esperança...
E, ontem, como no tempo ingênuo de criança,
Não sei, não sei por que, mas alguém me beijou...


Segurando-lhe as mãos, Mrs. Booth falou:
- Explica-me: porque no instante do castigo
Pudeste destacar o simples gesto amigo
De um beijo em tua face?


- Ah! Bondosa senhora,
Desde que minha mãe morreu até agora,
Nunca mais recebi um gesto de carinho,
Nem tampouco um olhar de apoio em meu caminho!...
A minha mãe morreu quando eu tinha sete anos;
Era pobre demais, cheia de desenganos...
E numa noite fria, em meio ao sofrimento,
Vendo se aproximar o seu último momento,
Chamou-me junto a si, deu-me muitos conselhos,
Dizendo-me, a chorar: “Minha filha indefesa,
Quem cuidará de ti no mundo de incerteza?
Ah! Minha pobre filha! Ah! Minha pobre filha!
Que Deus cuide de ti, te livre da armadilha
Satânica do mal.” E, depois, me abraçou;
Deu-me um beijo profundo, inclinou-se... e expirou.


Daquele dia em diante, apenas a desdita
É que tenho encontrado em minha vida aflita.
Jogada ao desamparo, enferma e decaída,
Ao mundo me entreguei em paga da comida...
E o mundo me despreza, o mundo me condena,
Mas nunca alivia o mal que me envenena...
Sou nódoa que envergonha essa sociedade,
Que jamais perdoou minha felicidade;
Pois em todo o lugar tenho sido humilhada,
Recolhida à prisão, perseguida, espancada;
Mas ninguém quer saber porque é que eu vivo assim,
Ninguém quer me ajudar, ninguém cuida de mim!...


Mrs. Booth se ergueu, e, abraçando-a, falou:
- Minha filha, fui eu quem te beijou!
Fi-lo porque te amei, e te amei porque Cristo
Naquela hora induziu minh’alma a fazer isso,
Para te revelar que seu amor profundo
Jamais fez distinção de pessoas no mundo.
Por Ele o teu pecado há de tornar-se leve
E tua alma, tão pura e branca como a neve.
Minha filha, este mundo é assim mesmo, inconstante
No modo de julgar: é sempre intolerante
Às faltas do pequeno; no entanto, é generoso
Ao erro mais atroz e vil do poderoso...
É sempre desigual na recompensa à plebe,
Pois o que mais trabalha é o que menos recebe...
Discordar dos mandões é converter-se em réu...
Minha filha, somente a justiça do céu
Não nos faz restrições! Só o amor nos redime
Da prática do mal, da execução do crime!
Verdadeiro? Só Deus. Amigo? Só Jesus,
Legando a todos nós o Novo Testamento,
Que nos garante o céu pelo arrependimento.


Ardente de emoção, sorrindo comovida,
Falou à Mrs. Booth a pobre decaída:
- Ah! Minha boa amiga, agora eu creio em Deus.
Creio que Ele perdoou todos os erros meus!


Já não sou infeliz nem desejo vingança,
Pois sinto dentro em mim uma nova esperança:
- Doce paz que me dá paciência em suportar
O castigo que a Lei resolva me aplicar.


Venha sempre me ver, beije-me sempre, a fim
De que eu possa sentir que alguém cuida de mim,
Alguém que me recorde o doce amor materno,
Alguém que fale em Deus e em seu coração eterno!


E quando, novamente, a pobre decaída
No fundo da prisão sozinha se encontrou,
Ergueu o olhar aos céus e disse, agradecida:
- “Foi Deus quem me beijou! Foi Deus quem me beijou!”

Mário Barreto França

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Mário Barreto França nasceu no Recife, Pernambuco, no dia 14 de fevereiro de 1909, neto do grande Jurisconsulto, Filósofo, Professor e Poeta sergipano Tobias Barreto de Menezes. Pertenceu ao Exército Brasileiro e destacou-se não só como militar, mas também como poeta e cultor das letras, tendo sido membro da Academia Evangélica de Letras e do Cenáculo Fluminense de História e Letras. Colaborador efetivo do Jornal Batista, editado no Rio de Janeiro e de circulação nacional, Mário Barreto França escreveu inúmeros livros de poesias, crônicas, contos e memórias, entre outros “NO JARDIM DO SENHOR”, “SOB OS CÉUS DA PALESTINA”, “DE JOELHOS”, “O LOUVOR DOS HUMILDES”, “UM CAMINHO NO DESERTO” e “RIOS NO ÊRMO”. Sua poesia é bela, inspirada, profunda e de uma espiritualidade que fala ao coração, agradando ao mais exigente leitor. Porque fala de Deus, fala do Amor, do Bem, da Fé e da Esperança, conforme se observa nos versos a seguir: “Na sinfonia rústica da vida,/os humildes, Senhor,/à voz da natureza agradecida/irmanam seu louvor. É o dueto da Crença e da Verdade,/de Maria e José;/É o canto inspirador da Caridade,/da Esperança e da Fé.” O Sociólogo e crítico literário Mário Ribeiro Martins no livro “ESCRITORES DE GOIÁS” no capítulo de POETAS DO EVANGELISMO BRASILEIRO, páginas 711 a 714, afirma "que o poeta estudou no Recife, Santos e Niterói, onde bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, tendo sido professor de Português, Matemática, Ciências, Educação Física e como jornalista, era filiado à Associação Fluminense de Jornalistas." Pertencente à comunidade Batista, seus versos ainda são declamados em incontáveis Igrejas Evangélicas espalhadas pelo Brasil, sendo, portanto, um dos mais conhecidos e amados poetas brasileiros. Sua obra é numerosa, escreveu também: “E OUVIU-SE UMA VOZ DO CÉU”, “COMO AS ONDAS DO MAR”, “VEJO A GLÓRIA DE DEUS”, “MADUREIRA CHOROU NA PRISÃO”, ( Biografia de ex-detento) “PELAS QUADRAS DA VIDA” e “UM SONHO MODIFICOU MEU DESTINO”. Alfredo Mignac, poeta, dedicando-lhe um soneto, assim se expressou: “A Mário Barreto França, esse poeta insigne da Denominação, recebendo na Bahia a merecida sagração na apoteose sublime da sua poesia evangélica.” Sonetista de primeira, cultivou como ninguém a arte do soneto, como se vê nestes versos: “Sim, eu sei a injustiça que hei sofrido./Que vontade me vem de protestar!/Mas, domino este impulso e, decidido,/continuo servindo à Pátria e ao lar. Não choro ter, ó Deus, algo perdido,/pois sei que muito mais tens para dar./O que me dói é ver o amor fingido/em ter-se, a qualquer preço, um bom lugar.../Quanta ambição de alguns o peito invade,/pois, para alimentar sua vaidade,/mancham e ofendem de outros a moral./E, nesse anseio de melhor destino,/esquecem de Jesus o nobre ensino:/- “A cada dia basta o próprio mal!” Trovador magnífico, escreveu trovas primorosas e líricas, como estas: “Saudade, de quando em quando,/provoca mágoas e dores,/pois vai de amores matando/quem vive lembrando amores...” “Fui menino, moço, e, agora/por que mudei tanto assim?/Lembrando os tempos de outrora,/tenho saudades de mim...” Ainda em vida, recebeu condecorações militares, títulos honoríficos e medalhas do Pacificador, Maria Quitéria de Jesus, Mal. Caetano de Farias e outras distinções. Participou da Coleção "Nossas Trovas", 1973, "Nossas Poesias", 1974 e "Anuário de Poetas do Brasil," Rio de Janeiro, 1975, 1976 e 1977, 2º volume, organização do saudoso poeta Aparício Fernandes. Está presente na Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante, edição do MEC, 1990, com revisão de Graça Coutinho e Rita Moutinho Botelho, edição revista e atualizada, em 2001. (Texto extraído de www.usinadeletras.com.br).
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