sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

SURDOS- O DIREITO À DIFERENÇA (OJB-Agosto 2007)

São mais de 24 milhões de pessoas ou 14,5% de toda a população brasileira com alguma deficiência, física ou mental, segundo resultados do Censo 2000 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Fator que chama a atenção dos veículos de comunicação, que vêm inserindo em sua programação a discussão das diferenças individuais.

A Rede Globo de Televisão, por exemplo, assistida em 64 países, através da Globo Internacional, abordou o assunto na novela América em 2005, através do personagem Jatobá (deficiente visual) e em 2006/07 no personagem Clara (com Síndrome de Down), em Páginas da Vida. A emissora apresenta as dificuldades vivenciadas pelas pessoas portadoras de necessidades especiais no Brasil, ironicamente regido por uma Constituição Federal, que em seu artigo 5º. prevê a igualdade a todos os brasileiros e até estrangeiros residentes no País: “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza...”. Persiste, na sociedade brasileira, a ideia de que existe um grupo constituído de iguais e de outro lado as minorias, definidas por gênero, idade, condição social, estado civil, formação acadêmica, origem étnica e tantos outros fatores, entre as quais estão os surdos, o 3º. maior grupo com deficiência no País.
A pessoa surda no mundo - A história do surdo através dos tempos é dramática e revoltante, mas dinâmica e marcada por uma seqüência de avanços e retrocessos. Segundo historiadores, na Antigüidade chinesa os surdos eram lançados ao mar. Os gauleses os sacrificavam ao deus Teutates, por ocasião da Festa do Agárico. Em Esparta, eram jogados do alto dos rochedos e em Atenas, eram rejeitados e abandonados nas praças públicas ou nos campos. Sua trajetória, marcada por sofrimento e discriminação na Antigüidade, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea, chegou finalmente, ao século XX. Realizaram seu primeiro Congresso em Paris, 1889; outro em Chicago, 1892; em Geneve ,1896; e novamente em Paris (1900) e depois em Milão, quando avaliou-se que o oralismo fracassara, na educação do surdo. Após isso, retrocede-se do conceito do surdo como diferente ao conceito de deficiente, defendido pelo modelo médico. A pessoa surda passa a ser caracterizada, então, como anormal, como sujeito indefinido a ser tratado e curado, incapaz de responder àquilo que era esperado dela. Um grande revés em sua luta, um passo gigantesco para trás em sua já lenta e estressante caminhada, porém menor do que a causa, que a esta altura, assumira proporções mundiais e que não podia mais ser silenciada. Seguiram-se duas outras importantíssimas conquistas rumo à emancipação: o estabelecimento da distinção entre surdez e mutismo e a adoção da Língua dos Sinais como ferramenta de expressão.
O surdo no Brasil- Atualmente comemora-se em 26 de setembro, o Dia Nacional do Surdo, mas nem sempre foi assim. A iniciativa rumo à emancipação da pessoa surda no Brasil, ironicamente partiu de um professor francês chamado Hernest Huet, também surdo. Foi apoiado por D. Pedro II e fundou, em 1857, a primeira escola oficial para surdos no País, com o nome de Imperial Instituto de Surdos Mudos, que mais tarde veio a ser o INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos). A Instituição teve o início marcado por limitações: aceitava somente pessoas do sexo masculino e funcionava apenas como asilo, onde muitas famílias brasileiras abandonaram seus “entes queridos”. Depois, o Instituto tornou-se uma escola, foi incorporada pelo Ministério da Educação e atualmente atende a 600 alunos oriundos de todas as regiões do País. Segundo a pesquisadora Éricka Viviene Faria Macedo, as comunidades surdas brasileiras começaram a se organizar há pouco mais de 130 anos, com o emprego da Língua dos Sinais. Afirma que estas comunidades têm sempre uma característica marcante, agregam surdos e ouvintes em torno da mesma luta, a da afirmação da pessoa surda como cidadã. Observa-se, na atualidade, um aprofundamento na compreensão sobre a pessoa do surdo, seu mundo e sua cultura. Particularmente nos últimos seis anos, quando o governo brasileiro promoveu a regulamentação da Língua Brasileira dos Sinais- LIBRAS, pela Lei No. 10.436, de 24 de abril do ano 2000. Por meio da qual os surdos passam a utilizar a principal ferramenta para manifestação de seu pensamento, de sua cultura e de sua diferença.

As Escolas Inclusivas no Brasil- Pesquisas apontam que no ano de 2000, existiam 13.592 Escolas Inclusivas no território brasileiro. Em 2005 foram catalogadas 38.019, ou seja, um aumento de 179% no período. E em matéria publicada pela revista Nova Escola, em Edição Especial pela Editora Abril/ 2006 sobre as Leis da Diversidade, a procuradora da República em São Paulo, Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, afirmou: “Não aceitar alunos com deficiência é crime”. A legislação brasileira garante, indistintamente a todos, o direito à escola, em qualquer nível de ensino, e prevê, além disso, o atendimento especializado a crianças com necessidades especiais. Esse atendimento deve ser oferecido, preferencialmente, no ensino regular e tem o nome de Educação Especial. A criança deve ser matriculada em escola comum, convivendo com quem não tem deficiência e a escola, por sua vez, tem obrigação de buscar recursos, terapias e materiais para ajudar o estudante a se sair bem. Tal acompanhamento- a Educação Especial- é um complemento ao ensino regular.

O Estado de Goiás começou a adotar a Educação Inclusiva na escola pública no ano de 1999. Até então, o quadro local era semelhante ao de outras regiões do país. Apenas 52 escolas faziam o atendimento a nove mil alunos deficientes. Hoje, eles já são mais de 30 mil entre os matriculados. O processo começou com a sensibilização dos profissionais de educação, seguido da implementação de um sistema aberto a todos os alunos. Em 2001, aconteceu a expansão da inclusão e 315 delas se inseriram no programa. No ano seguinte, todas as unidades de ensino do Estado passaram a aceitar alunos deficientes. ''Foi uma reação em cadeia, as escolas municipais adotaram o modelo utilizado pelo Estado e assim o ensino goiano passou a ser inclusivo'', observou Dalson Borges Gomes, em matéria publicada pela revista Época, edição no. 330, de 13/09/2004, então, superintendente de Ensino Especial de Goiás, de 36 anos, filho de um casal de surdos. O superintendente acrescentou ainda: ''Quando minha mãe era adolescente, foi rejeitada pelas escolas daqui e precisou se mudar para o Rio de Janeiro para estudar. Hoje, ninguém mais vai embora do Estado por conta disso''.

Ministério de Evangelização de Deficientes Auditivos-Uma das comunidades surdas brasileiras nasceu em Goiânia, no coração geográfico do País, no ano de 1984. O Ministério de Evangelização de Deficientes Auditivos da Primeira Igreja Batista em Goiânia, foi resultado de um trabalho pioneiro na região, desenvolvido por Adélia Christino de Melo. A missionária, então, recém chegada de Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro, iniciou com visitação a lugares de encontros sociais, instituições e residências, conhecendo alguns surdos e suas famílias e convidando-os para os cultos da Primeira Igreja Batista da capital. Várias pessoas da igreja foram se sensibilizando com o trabalho, se envolvendo e tornando-se líderes sob sua supervisão como Airene Barbosa, Celma de Souza, Marleide Louzada, dentre outras.

Sobre o início do Ministério com Surdos da Primeira Igreja Batista em Goiânia, a missionária, hoje casada com Pr. Hermes de Melo Brito e mãe de Rafael Henrique e Mariana, afirma que foi marcado pela participação voluntária de muitos irmãos que se dispunham a fazer visitas a surdos da capital e às suas famílias, num envolvimento pessoal muito contagiante, em apoio a um ministério novo que a igreja abraçava com apoio determinante do Pr. Wanderley José Álvares. Adélia Christino, lembra que, de 50 pessoas que começaram o primeiro curso para obreiros no ministério com surdos, 40 chegaram a concluir e 9 se integraram ao trabalho. Eram eles: Ana Odília Silveira Franco, Elizabete Moreira, Maria de Fátima Faria, Claudia Regina de Carvalho, Silmara Epifânia de Castro, Sandra Maria Silveira Avanço, Alexandre Márcio Ferraz de Lima, Márcia Christino e Denise Christino.

A missionária afirma ainda: “ Não era um trabalho que apenas eu realizava. Éramos uma equipe dinâmica e unida. Nos reuníamos para planejar o trabalho, discutíamos as dificuldades e verificávamos as vitórias. Nossa maior preocupação era integrar os surdos à vida da igreja. Nos esforçávamos ao máximo para que eles se sentissem aceitos e amados. Por isso o funcionamento do ministério era idêntico ao da Igreja: EBD, União de Treinamento, participação em todos os cultos. Não queríamos isolamento, queríamos envolvimento e participação igual ao dos ouvintes”.Em seguida, o trabalho ficou sob a responsabilidade de Cláudia Carvalho com outros obreiros, dentre eles Eurípedes José de Souza (hoje pastor), Simone Souza, Divino e Divina Alves Pereira, Carmelita Arruda, Marcione, Anísio, Diolane Lima da Silva, Rodrigo Beda, Adriano Beda (in memorian), Viviene Moreira, Lucélia Fernandes de Sousa, que viram os primeiros surdos serem batizados na Primeira Igreja, dizendo Sim a Jesus em sua própria língua. Mais tarde, Cláudia Carvalho foi sucedida pelo Pr. Artur Moraes da Costa, então seminarista, convidado pela Igreja, vindo de Campinas, São Paulo em Janeiro de 1990. O Pastor Artur Moraes da Costa fez um profícuo e apaixonado trabalho de liderança entre a comunidade surda da Primeira Igreja Batista em Goiânia e mesmo atuando, desde 2004, como Pastor Auxiliar da Igreja, permanece junto aos surdos como um forte referencial, num vínculo afetivo com o Ministério que atualmente congrega em torno de 70 pessoas surdas e quatro intérpretes: Tatiana Souza, Edgard Veras, Ana Raquel e Rodrigo Beda.

DYNAMIS- Realizações-O Ministério Dynamis é, atualmente, dirigido pelo Pr. Hélio Moreira dos Santos, que chegou à igreja nos primórdios da organização da comunidade surda e converteu-se através dos sermões interpretados na Língua dos Sinais. Já formado em Agrimensura e Edificações, pela Escola Técnica de Goiás o, então, irmão Hélio desejou ser batizado. Dirigiu-se ao Seminário Teológico Batista Goiano, onde, contando com o trabalho de dez intérpretes, tornou-se pastor, o primeiro pastor surdo formado por uma instituição teológica no País. Um pastor surdo para os surdos da Primeira Igreja Batista em Goiânia, que ocupam praticamente toda uma ala entre as quatro do templo de 1300 lugares, no centro da capital do Estado de Goiás. Onde, seu sermão sinalizado pode ser “ouvido” nos cultos próprios aos domingos, com interpretação simultânea e às quintas-feiras em seu culto de oração. Atua também como professor de EBD em classe para surdos.

O Ministério com Surdos da PIB em Goânia sustenta, atualmente, outro seminarista surdo, Márcio Matias dos Santos, que se prepara para ser o segundo pastor surdo da igreja em 2008. Obteve o apoio da Superintendência de Ensino Especial entre 1999-2004 na criacão do Projeto Comunicação. Elaborou o Projeto Comunicação, sob a direção do Pr. Artur Moraes e coordenação da, então, seminarista Márcia Pedrosa de Melo com grande equipe: Rodrigo de Vasconcelos, Vânia e Vera Lúcia Ferreira Viana, Alessandra Campos Lima da Costa, Liliane Orsoni, Elizângela, Márcio Matias dos Santos, Joseane Hernandes, Marília Fernanda, Marcélia Porfírio Barbosa, Eudis da Silva Souza, Carlos Militão, entre outros. Desenvolveu ações como: Atendimento Familiar Pastoral, Atendimento Psicológico, Curso de Português para surdos, Estimulação de Linguagem (0-3 anos), Atendimento Fonoaudiológico, Letramento de Crianças, jovens e adultos surdos, Atendimento Ambulatorial em Convênio com o Departamento de Enfermagem da UCG (Universidade Católica de Goiás). Forneceu Campo de Estágio para estudantes de Pedagogia da Universidade Salgado de Oliveira. Trabalhou na Produção de Material Didático Específico para o Ensino Especial, apresentado em vários eventos e congressos estaduais e nacionais, promoveu Escola Dominical com Professores surdos. Prestou Serviço Social com Hezir de Roure (Dorquinhas).

 Através do Departamento de Treinamento de Obreiros, criado nos primórdios do Ministério pela irmã pioneira Adélia Christino, sucedida por Cláudia Carvalho e Carmelita Arruda, desenvolveu-se, ao longo do tempo, treinamento de Obreiros para surdos. Ao qual foram introduzidas técnicas de ensaio e partituras, por colaboração de Tatiana Souza, Alessandra Campos Lima da Costa e Pr. Artur Morais da Costa.O Ministério promoveu ainda a realização de viagens missionárias para divulgar, apoiar e fundar outros ministérios com surdos em Iporá-GO, Jataí-GO, Rio Verde-GO, Inhumas-GO, Anápolis-GO, Dourados-MS, Curitiba-PR, Salvador-BA e Rio de Janeiro-RJ. Fundou a Associação Evangélica Nacional de Obreiros com Surdos (ASSENOS). Foi responsável pelo início dos EEOS (Encontro Nacional de Obreiro com Surdos), que depois seguiram para outras cidades como Brasília, Belo-Horizonte, São Paulo, Curitiba, Salvador, Guarapari, Rio de Janeiro e Campo Grande. “Meu sonho é que na EBD, haja ferramentas disponíveis como datas-show, para abrir espaço a outros surdos que desejem ensinar a Bíblia em, quatro salas separadas, cada uma abordando um tema diferente. Gostaria que tais recursos não fossem usados somente na igreja, mas também em escolas, associações, e outros núcleos freqüentados por surdos. Desejo que os surdos sejam instruídos na Palavra de Deus e informados sobre as drogas, a prostituição, marginalidade e vandalismo. Que sejam orientados sobre a importância dos estudos para exercerem uma profissão futura. Que atuem socialmente de modo construtivo e que Deus venha abençoar suas vidas”. Afirma o Pastor Hélio Moreira dos Santos, responsável pelo Ministério com surdos da PIB em Goiânia”.

Pouco a pouco a sociedade brasileira de todas as misturas, descobre-se diversificada e enriquecida pelas diferenças. Contribuem as pessoas com deficiência múltipla, auditiva, visual, mental e física. E a Igreja começa a entender porque o apóstolo Pedro falava, em I Pedro 4.10, sobre a multiforme graça de Deus, dispensada em um contexto também multiforme. O pioneirismo das comunidades surdas foi um avanço. Porém, é ainda um primeiro passo de uma jornada mais abrangente e mais libertadora. Há outros milhares de brasileiros diferentes em sua humanidade que precisam de resgate. E a igreja de Jesus Cristo, o qual combateu a segregação não pode ser indiferente às particularidades. Certamente não sufocará, no agudo de seu canto congregacional, o gemido dos que ainda padecem ignorados como minorias.
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Carmelita Graciana

2 comentários:

  1. Fiquei surpresa e emocionada ao jogar meu nome no google e encontar em seu blog a história, do ministério com surdos, da qual fiz parte na PIB Goiânia. Parabens! Está muito bem descrita.

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  2. Silmara, obrigada por elogiar meu trabalho, mas divido o mérito com as fontes que muito colaboraram durante os dois anos em que me dedicava a esta pesquisa.
    Quanto à emoção ao encontrar seu nome nesta história, eu a teria também, se fizesse parte de uma luta tão nobre em uma causa tão justa, movida pelos princípios do Evangelho de Jesus Cristo.
    Receba meus cumprimentos por ter participado!

    Um grande abraço,
    Carmelita Graciana.

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Obrigada por ter vindo!