terça-feira, 23 de junho de 2009

ENTREVISTA - SÔNIA THOMAZ

Sônia Maria Tomaz- missionária batista na Romênia
Sônia Maria da Silva Tomaz- missionária batista na Romênia
ENTREVISTA

A paraibana Sônia Maria da Silva nasceu na cidade de Campina Grande, mas cresceu em João Pessoa, onde teve a sua formação cultural e espiritual. Casou-se no ano de 1985 com o Pastor Gérson Tomaz e transferiu-se, com o esposo, para o interior do Estado. Nos municípios de Monteiro e Patos o casal trabalhou na plantação de igrejas por 13 anos. Depois, já com três filhos, Clarissa, André e Mateus, a família transferiu-se para a Romênia, onde trabalha por mais de 12 anos no leste europeu, pela Junta de Missões Mundiais.

 Onde e como a senhora se converteu ao Evangelho?Com a minha família, que era católica radical. Minha mãe fazia imagens de escultura para a igreja, ajudava muito aos padres de um convento próximo de onde morávamos e nossa casa tornou-se um ponto de apoio aos padres estrangeiros que ali chegavam, principalmente holandeses e espanhóis. Meu pai era o presidente da organização chamada Coração de Maria. Então, as palavras crente e conversão eram proibidas no ambiente do meu lar. Minha mãe, frustrou-se com a Igreja Católica em razão de um trabalho que realizara para a mesma. Sua liderança pedia aos fiéis altas doações em dinheiro para, supostamente, cobrir os custos daquele trabalho, quando mamãe o fizera voluntária e gratuitamente.
 Isso mexeu com o coração dela que passou a questionar “outras verdades” católicas apregoadas, passando a comparar tais ensinos com os ensinamentos da Bíblia. Ela, certa vez, foi aconselhar-se com um padre local na tentativa de compreender tais diferenças, e este, por sua vez, na ânsia por livrar-se do ‘ incômodo´, respondeu-lhe: ‘Leia a Bíblia e ache a senhora mesma as respostas às suas perguntas’. Agravou-se o conflito no âmbito doméstico porque o marido, meu pai, mantinha suas convicções religiosas. Porém com o tempo, ele também veio a se converter. Minha mãe, por sua vez, passou a convidar as pessoas próximas para uma encenação que promovia em nossa casa representando as parábolas de Jesus. O palco era nossa mesa de refeições, os atores nós, as seis crianças, entre as quais eu era a menor. Mamãe confeccionava os figurinos, nos ensaiava e também convidava a vizinhança para o teatro, todas as noites. Sabíamos que tínhamos uma responsabilidade para com nossos vizinhos, diariamente. E isso fez surgir uma igreja que ainda hoje existe naquele lugar.Quando e onde se deu a sua chamada missionária?Quando eu era adolescente e estava num acampamento, senti que Deus estava me chamando, mas não fiz uma decisão pública. Guardei em meu coração tal convicção e passei a imaginar coisas diferentes, que incluiam meus sonhos de juventude e uma carreira profissional ao trabalho como missionária. Eu tinha outros desejos como o de estudar Engenharia Eletrônica. Fiz o CEFET, fiz Eletrônica, fiz Engenharia de Alimentos. Tinha pela frente um futuro profissional promissor, participei de uma equipe de pesquisadores em São Paulo, onde poderia ter seguido um caminho financeiramente bastante convidativo. Sabia, contudo, que Deus tinha me chamado para missões e eu teria que optar por um ou por outro. Hoje compreendo. No leste europeu, a imagem do brasileiro está associada ao atraso e ao analfabetismo. Quando descobrem que temos um pouco de conhecimento e uma formação acadêmica respeitável, permitem nosso ingresso naquela sociedade. Deste modo, mesmo o conhecimento que refutaria não proveitoso para o trabalho missionário, é muito útil. E Deus o sabia, já naquele tempo. Deus usou aqueles anos de preparo em estudos para abrir portas que possivelmente de outro modo não seriam abertas naquela região para a pregação do Evangelho. Assim o Senhor começou a me preparar para missões em minha própria casa e o fez de modo gradual e progressivo. O estilo de vida cristão é assim, um processo.Como teve a certeza do campo?O meu esposo correspondia com missionários na África do Sul. A razão, à época, apontava para a África, mas o nosso coração não se sensibilizava. É uma situação inexplicável, uma coisa de Deus. Era o ano de 1991, quando, minha irmã mais velha, recém–chegada dos EUA, onde fizera doutorado, soube de nosso desejo de ir a outro campo, sugeriu: ‘Por que não à Romênia’? Ela nos informou que conhecera nos Estados Unidos, dois pastores romenos que contaram sobre a queda do comunismo naquele país e observou: ‘Vocês têm o perfil para o ambiente que eles descreveram’. No dia seguinte, já estávamos seguros com relação ao campo missionário, mas a confirmação veio através da leitura de uma notinha na revista, então publicada pela JMM, chamada: A Pátria para Cristo, que buscava por um casal de missionários para a Romênia. Então, a Igreja que estávamos plantando disse ao Gérson: ‘Pastor, se o senhor quiser ir para a Romênia, nós vamos enviá-los’. A própria igreja escreveu à Junta de Missões Mundiais propondo preencher a vaga. Foi tudo muito natural e já vai para mais de 12 anos de campo. Um lugar onde nossos filhos cresceram e aprenderam a amar.

Fale-nos um pouco de sua experiência na Romênia, vivida em seus vários papéis, seja como esposa de pastor, missionária e mulher cristã que é.Vou começar com a experiência como mãe, esposa e dona de casa. Enquanto no Brasil a gente tem facilidade para encontrar quem ajude nas incumbências do lar, na Romênia não existia tal possibilidade. Estava à minha frente um país novo, um campo novo, três crianças pequenas, novos papéis e integralmente toda a responsabilidade com os afazeres domésticos. Foi então quando, começamos a ouvir histórias tristes sobre filhos de missionários que a certa idade optavam por caminhos questionáveis e infelizes e isso nos preocupou bastante e me fez assumir algumas posturas. Compreendemos, então, que o chamado de Deus para missões é para toda a família, inclusive os filhos e entendemos que teríamos de preparar nossas crianças para servir a Deus também como missionários. Tomei a decisão de ficar com eles, organizei a agenda de modo a educar pessoalmente meus filhos, acompanhá-los, apóia-los. Acordei sempre às 5: 30 da manhã. Preparava-lhes as marmitas, que eram levadas para o almoço na escola, cuidava da casa, realizava fora tarefas relativas ao trabalho missionário, retornava ao lar e aguardava seu retorno para fazer-lhes companhia. Na Romênia, um dia produtivo é sábado pela manhã. Então me organizei para aproveitá-lo bem. Nossos filhos sempre me acompanhavam ajudando em minhas preleções. Minhas crianças iam como meus ajudantes, participando, se envolvendo, cooperando. Um ajudava na confecção do material, outro carregava a água e outro arrumava a mesa para as reuniões infantis, por exemplo.


Por favor, eleja sua experiência mais marcante no leste europeu.Citarei dois fatos. A Romênia era marcada pela completa ausência da palavra missões e seu conceito. Nosso trabalho foi vitorioso nisso. Hoje, ocorrem na região, projetos missionários, fala-se em missões e formam-se missionários. Outro fato marcante aconteceu na Moldávia com a introdução do ensino bíblico do Dízimo. Antes, as igrejas subsistiam sustentadas e atreladas ao governo. Hoje existe a visão da realidade do Dízimo. Deste modo, duas doutrinas bíblicas passaram a ser incorporadas pelos cristãos daquela região, onde mesmo a Convenção Batista do País afirmou: “A partir de agora, o seu programa é o programa oficial da nossa Convenção”. É um antes e um depois muito visível, muito palpável, muito gratificante, que nos leva a concluir que Deus realmente nos quer naquele lugar. Isso é resposta de Deus ao nosso empenho e tal conquista impacta profundamente nosso trabalho, dividindo-o em antes e depois, para a glória de Deus. Nós mudamos neste período, cremos que aprimoramos nossa atuação, mas a sociedade romena também mudou muito. 


Quando chegamos ao país, não havia nem supermercado. Tudo o que era vendido era do governo, tanto produtos quanto serviços, táxi, mercearia, padaria, vendedor de sapatos, tudo era do Estado. Porém, hoje, com a entrada na União Européia, a Romênia mudou da água para o vinho. Quando lá chegamos, não existia qualquer tinta colorida para pintar casas. Era tudo padronizado em cinza. Minhas crianças brincavam no carro, de encontrar cores, o que achasse ganhava um prêmio. Era um país cinzento. Em doze anos aconteceram mudanças profundas na sociedade e também na Igreja cristã romenas. Deus nos enviou no momento certo. Em três meses eu falava precariamente o idioma e em oito meses o Gérson pregou seu primeiro sermão na língua local. É um povo exigente quanto à língua e também com relação aos valores morais. Hoje eles nos deixam ter cargos de relevância lá com o ensino, muito porque crêem que nós temos exemplo na condução de nossa família. Eles entendem que só deve ser autorizado a ensinar, aquele que vive o que ensina. Atendemos a tais requisitos, pela graça de Deus.

Quais as maiores carências vividas pela família missionária no campo?A Junta de Missões Mundiais instrumentaliza. A Igreja envia e afirma: ‘Nós vamos cuidar de vocês’. Ela promete ser um apoio, mas há momentos em que o missionário, embora recebendo o sustento financeiro, embora sabendo que a Igreja ora pelo trabalho, se sente sozinho. Já por um período, nossa família está experimentando isso no leste europeu. Há momentos de maior carência. Seis meses após chegar ao país, recebi a notícia da morte de meu pai ,ocorrida aqui no Brasil. Compartilhei com a esposa de um outro pastor local e ela perguntou, literalmente: ‘Que tenho eu a ver com isso?’ Isso aprofundou a sensação de distância, isolamento e solidão. Hoje, as coisas mudaram muito no que diz respeito à comunicação, principalmente com a realidade do serviço de MSN e Skype, mas ainda ficaríamos muito felizes se os que nos enviam, dessem uma palavra no dia de nosso aniversário, por exemplo.
Estabeleça um paralelo entre a mulher na Romênia e a mulher no Brasil.As posições da mulher ocidental e da oriental são muito diferentes. Na região do leste europeu, as mulheres e as crianças têm um reconhecimento social muito acanhado. Há um forte ‘policiamento’ sobre a mulher, um filtro muito fino antes que permita que ela galgue qualquer função de destaque. Existe aqui também, mas muitíssimo mais fraco. Há os que desistem de permanecer lá porque não encontram portas abertas. Temos que entrar pelas brechas, aproveitá-las ao máximo e fazer a diferença. E isso não ocorre da noite para o dia, é necessário se promover uma mudança na concepção social.


A senhora tem uma mensagem especial às mulheres cristãs?Não existe no leste europeu, uma organização feminina como há no Brasil. Acho que a mulher cristã brasileira deve valorizar sua organização representativa e zelar pelo ensino missionário das crianças nas igrejas. Sei que deste modo, Deus abençoará seu trabalho em Goiânia, no Brasil e no mundo.