“Lixo não existe”. Esta frase tornou-se
o lema de vida de um ex-catador de lixo do Brasil, recentemente entrevistado
por um repórter de uma emissora de TV para um documentário sobre o descarte de
resíduos no país. Estampando a lateral do carro de propriedade daquele pequeno
empresário do setor de reciclagem, a frase chama a atenção para um assunto que
está bem mais no nível da retórica do que da prática da sociedade brasileira, a
sustentabilidade.
Em grande parte das nações da
Terra, a sustentabilidade como a capacidade de promover o desenvolvimento
econômico e material sem agredir o meio ambiente, ainda é um sonho, alimentado
por pequena minoria. Porém, a consequência do descaso e da ignorância é o
avolumamento de um dos mais progressivos pesadelos, que certamente sufocará,
figurativa e literalmente, as gerações futuras.
O Brasil e a sustentabilidade
Em 2017, veículos
de imprensa mostraram o exemplo de um brasileiro que ao longo de 43 anos
plantou sozinho uma floresta inteira no meio da Serra da Mantiqueira, no Estado
do Pernambuco. A área equivalente a 31 hectares, antes da intervenção era
apenas um pasto com algumas nascentes e 43 anos depois, muita visão ambiental,
perseverança e esforço veio a ser uma floresta com árvores nativas e 8
cachoeiras volumosas. Porém, brasileiros
como o Sr. Antônio Vicente são exceções em um país onde se noticia desmatamento
medido em áreas de campo de futebol e em toneladas de madeira ilegal saindo de
florestas inteiras derrubadas.
Como se não
bastasse, entre os pesadelos ambientais do Brasil somam-se ainda a realidade
dos esgotos a céu aberto e dos aterros sanitários deploráveis, onde brasileiros,
em sua degradante tarefa de separação dos resíduos, disputam com ratos insetos
e urubus, resíduos de diferentes categorias, não raro alimentos.
No ano de
2012 o Brasil atuou como anfitrião da Cúpula da ONU (Organização das Nações
Unidas) para Desenvolvimento Sustentável, a Rio+ 20. No encontro, estiveram representados cerca de
200 países de todo o mundo discutindo formas de convivência amistosa com o
Planeta. Os batistas brasileiros, por seu turno, já haviam se antecipado com relação
à pauta, elegendo em 2011 como seu tema anual: “Vida Plena e Meio Ambiente”, por
compreenderem a importância e a urgência
de uma grande mudança no comportamento
social nas questões relativas à
sustentabilidade.
Em 2017,
porém, diante da gravidade da crise porque passa o país, notadamente nos nos
âmbitos da política e da economia por causa de uma profunda e abrangente crise
moral, forçosamente os holofotes se voltaram em outras direções. Mas, também
neste momento, os batistas brasileiros demonstram sua contextualização
temática. Segundo relato de congressistas que estiveram presentes ao
encerramento da 97ª. Assembleia da Convenção Batista Brasileira em Belém do
Pará no mês de abril deste ano de 2017, a congregação entoou, muito
enfaticamente, um antigo cântico com o qual se pretendia ensinar honestidade às
crianças, que diz: “Cuidado, mãozinha no
que pega! ”.
Panorama mundial da
sustentabilidade
Os países
considerados os mais sustentáveis são os que melhor cuidam dos seus recursos naturais, investem em energias
renováveis e garantem qualidade de vida à população. De acordo com a EcoDesenvolvimento.org (EcoD. http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2016/posts/janeiro/os-10-paises-mais-sustentaveis-do-mundo-em-2016#ixzz4hC3F7l3P), os 10 países mais sustentáveis
do mundo em 2016 são: Finlândia, Islândia, Suécia, Dinamarca, Eslovênia,
Espanha, Portugal, Estônia, Malta e França. A mais recente edição do
levantamento classificou 180 países com base em 20 indicadores distribuídos por
9 categorias: critérios de saúde ambiental; poluição do ar; recursos hídricos;
biodiversidade e habitat; recursos naturais; florestas; energia e clima, entre
outros, sendo que cada categoria possui
pesos diferentes. De acordo com o instituto, a Finlândia lidera o ranking, com 90.68 pontos.
No mesmo
levantamento, o Brasil apresentou uma melhora considerável em relação à edição
2014, saindo da 77ª posição para a 46ª. O país somou 78.90 pontos de 100
possíveis, mas na análise por categoria, embora o Brasil tenha apresentado melhor desempenho no
quesito qualidade do ar, com 91.78 pontos, saiu-se mal na preservação de
recursos florestais, levando apenas 37.86 de 100 pontos, o que coloca o país em
83º lugar entre os que melhor cuidam de suas florestas.
Desperdício X sustentabilidade
Atualmente,
mesmo com a incorporação de uma terminologia “sustentável” ao vocabulário das
nações consideradas civilizadas, como: Consumo Consciente, Reciclagem, Produção
Sustentável, Coleta Seletiva, Resíduos sólidos, Resíduos orgânicos,
Compostagem, Customização, Redução de Resíduos Sólidos, Consumo Colaborativo,
Consumo Responsável, Consumismo, Não ao Desperdício, Logística Reversa e outros,
no nível da prática da sociedade os níveis de desperdício ainda são alarmantes.
Segundo a
FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), 30% dos
alimentos produzidos no mundo são jogados fora antes mesmo de chegarem à mesa
do consumidor.
Segundo a
FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), 30% dos
alimentos produzidos no mundo são jogados fora antes mesmo de chegarem à mesa
do consumidor. Boa parte deste desperdício está no desinteresse do mercado em
produtos que fujam ao padrão estético estabelecido, como é o caso das frutas. Porém,
na contramão desta tendência aparecem louváveis iniciativas, a exemplo de um
projeto idealizado por uma engenheira ambiental de Portugal no ano de
2013. Neste ano Izabel Soares ganhou um
concurso com sua proposta de redução do descarte de frutas e legumes de
qualidade porém com aparência comprometida.
O projeto, que foi abraçado por um grupo de jovens de Lisboa, recebeu o nome de Fruta
Feia. A ação da Cooperativa consiste em comprar diretamente dos produtores
frutas e legumes que fujam do padrão estético exigido pelo mercado, mas que
possuam qualidade no sabor e em seus nutrientes e vendê-los ao público por
preços mais baratos.
Com o prêmio
do concurso, o grupo conseguiu o primeiro financiamento para desenvolver a
iniciativa. “A ideia tem sido muito bem
sucedida, une agricultores que não tenham uma solução, um canal de escoamento
para esses produtos feios e consumidores que não julguem a qualidade pela
aparência e estão dispostos a comprá-los e um espaço onde podemos fazer a
distribuição semanal das cestas”, explica a uma publicação, a idealizadora
Izabel Soares. Segundo ela, o projeto, que foi implementado por grupo de apenas
40 pessoas, hoje possui mais de 420 consumidores associados e 2.050 em uma
lista de espera.
Outra
iniciativa que serve como exemplo contra o desperdício é o “Resíduo Zero”. Surgido nos anos 70, Resíduo Zero é um
conceito inspirado nos ciclos naturais de vida, eficientes e sustentáveis, em
que tudo é transformado em outros recursos, sem desperdício e sobras. Na
prática, este conceito confirma a máxima do cientista françês Antoine
Lavoisier, reconhecido como um dos pais da moderna Química, que afirmou: “Na
Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”.
O Resíduo
Zero desenvolve práticas que visam minimizar os impactos no solo, na água, no
ar e nos ecossistemas, em geral, que podem ser nocivos ou ameaçar a saúde planetária
– animal e vegetal – e provocar irreversíveis alterações climáticas. Projetar e
gerenciar produtos e processos para reduzir o volume e a toxicidade dos
resíduos e materiais. Conservar e recuperar recursos naturais, etc. Iniciativas
como “Resíduo Zero” surgem com o objetivo de engajar pessoas, comunidades e
empresas a planejarem e gerenciarem seus resíduos. Por exemplo, a “Escola
Resíduo Zero”, que é uma variante deste conceito, se propõe a levar a educação ambiental à comunidade
escolar, quebrando o paradigma do consumismo e do desperdício, por meio de
ações pedagógicas focadas na Política Nacional de Educação Ambiental e Política
Nacional de Resíduos Sólidos.
A propósito
do combate ao desperdício, o próprio Jesus Cristo, o mestre dos mestres, deixa através
dos Evangelhos um claro ensino. Após realizar um dos milagres de multiplicação
de pães e peixes e tendo saciado a fome de uma multidão que o seguia, ordenara
aos discípulos que recolhessem as sobras. E a narrativa dá contas de que a
comida que sobrou encheu doze cestos. Embora, os textos bíblicos sobre
multiplicação sugiram muitos outros ensinamentos em seus múltiplos e
riquíssimos aspectos, o sentido de se prevenir o desperdício, neste caso
particular, pode ser extraído até mesmo pelo leitor mais desatento.
Sustentabilidade e plenitude
Outros temas
relacionados à sustentabilidade são recorrentes ao longo de toda a Bíblia, inclusive
apontando problemas como em Romanos 8.21-22, que descreve um cenário de desolação
e esperança: ”Na esperança de que a própria criação será
redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de
Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta
angústias até agora”.
A
sustentabilidade aponta para o resgate do estado original da criação. Segundo o
Gênesis, o homem foi posto em um jardim como gestor, onde desenvolveria uma
atividade de conservação e manutenção, sob sombra e água fresca. Ele
desfrutaria ainda da companhia do Senhor que passeava por lá na viração do dia,
certamente apreciando a obra sobre a qual emitira o seu atestado de qualidade. Em Gênesis 1.31a está escrito: “Então Deus contemplou toda a
sua criação, e eis que tudo era muito bom”.
Carmelita Graciana.
* Trabalho Publicado originalmente pela Revista Visão Missionária - Ano 96- Numero 2 - Abril a Junho de 2018 - 2T18
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