terça-feira, 24 de janeiro de 2012

ENTRE O MAR E O MÓRBIDO

Em artigo publicado pelo site www.revistasusp.sibi.usp.br, as especialistas em Lazer, Telma Medeiros Brito e Heloisa Turini Bruhns, assim descrevem a vida do homem contemporâneo: “Vivemos dentro de uma lógica onde o tempo significa dinheiro e não podemos perder tempo (o qual deve ser economizado, investido, conquistado e contado). Devemos sempre estar “fazendo coisas” para justificar nossa produtividade e naturalmente isso gera ansiedade e desconforto, pois a preocupação está sempre no “fazer o seguinte”. O homem contemporâneo compra seus prazeres com o dinheiro de seu trabalho na ilusão de vivenciá-los em seu tempo “livre”. O lazer torna-se algo quantificável e compulsório, ou seja, um repouso imposto pela racionalização do tempo, onde o prazer também passa a ser fundamental e obrigatório”. 

(Imagem: www.noticias.uol.com.br )

 Nesta concepção, tão bem delineada pelas estudiosas, paradoxalmente, o tempo livre precisa ser preenchido com alguma atividade. Entre as muitas opções para preenchimento do tempo livre, aparecem as viagens e entre estas, aquelas a bordo dos navios de cruzeiros. E, as mesmas que eram muito dispendiosas no começo do século XX, tornaram-se opções de lazer bastante populares em nossos dias. O Titanic era um verdadeiro navio de luxo. Um bilhete na primeira classe superava em muito os 4.000 euros atuais, três vezes mais que uma passagem em uma área idêntica em qualquer dos grandes navios que operam hoje em dia. Os cruzeiros atuais tornaram-se opções bem mais populares. De acordo com informações divulgadas pela imprensa, o Costa Concordia, um dos mais luxuosos da atualidade, custava "cerca de 800 euros" em terceira classe, para um cruzeiro de sete dias. Mais baratos, especialmente se levar em conta que navios como o Costa Concordia, assim como seu gêmeo, o Costa Serena, contava com um spa ocupando dois andares e com várias suítes, piscinas, quadras, restaurantes variados, discotecas, além de espaços comuns muito sofisticados.

Enquanto o Titanic podia transportar 3.587 pessoas a bordo, entre passageiros e tripulação, a embarcação da companhia Costa Crociere tinha capacidade de abrigar cerca de 3.780 passageiros e 1.100 membros da tripulação.  O Costa Concordia podia transportar 114.500 toneladas, superando o Titanic, o lendário navio engolido pelas águas do Oceano Atlântico na madrugada do dia 14 para 15 de abril de 1912. As atuais viagens em Cruzeiros ficaram mais acessíveis graças às agências de viagens, que planejam, organizam  e vendem com ofertas e descontos ou serviços extras, atraindo uma clientela maior. Outro elemento que não pode ser esquecido na composição do preço é o aumento da oferta e a concorrência entre os que oferecem o produto. O que não vem  incluído no pacote de viagem, seja ela em terra, no ar ou no mar, é um possível elemento surpresa. O imprevisível se encarrega de, transformar o expectador da aventura na própria aventura, seja por imperícia, negligência, infortúnio ou fatalidade. Coisas que tanto a terra, quanto o ar e o mar estão sujeitos. Entre os passageiros sobreviventes do Costa Concordia, alguns cobriam o rosto, tentando escapar ao assédio provocado por este momento.
 
A uma semana do desastre com o navio, que levou  à morte treze pessoas, sendo que 24 continuam desaparecidas, a imprensa italiana se ocupa de um elemento novo. Noticia a ocorrência de um fluxo incomum de turistas a Porto Santo Stefano, na costa do Argentário, em frente à ilhota onde o incidente ocorreu. De 130 turistas na semana anterior, a pequena ilha de Giglio, passa a acomodar 1.080 turistas, sem contar as equipes de resgate. E,
uma vez que a perspectiva é de que o Costa Concórdia permaneça meses no mesmo local, Porto Stefano já vislumbra novas fontes de renda pelo segmento de turismo, a partir da tragédia, que reúne também repórteres, cinegrafistas e profissionais da mídia encarregados de transmitir globalmente os desdobramentos do desastre com o navio. O padre, que dirige a paróquia de Giglio, lamentou que os parentes de vítimas precisem de escolta policial até para irem à missa sem darem declarações para a imprensa."Esse mundo não é normal", teria declarado o religioso.

Os turistas, que desejam ver o grande navio parcialmente submergido em frente ao Giglio já estão sendo chamados de "turistas do horror". Mas considerando a atividade um passatempo mórbido ou não, o certo é que garantirá divisas por muito tempo a setores diversos. Tragédias como a do Titanic em 1912 e a do Costa Concórdia em 2012, alimentam o ciclo lazer-drama e drama-lazer. Tal alquimia, garante mais do que a ocupação do tempo livre do homem, arrebata-lhe a alma.  E, a alma humana, por sua vez, atira-se ao surpreendente, ao desconhecido e ao mórbido- na terra, no ar e no mar-  na ânsia de aplacar sua  inquietação e angústia.

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