sexta-feira, 23 de abril de 2010

A TRAJETÓRIA DE UM PSICOPATA

Ademar Jesus da Silva era um pedreiro baiano, nascido em família de nove irmãos. Chegou a Luziânia (GO), distante de Brasília 70 quilômetros, há 16 anos. Segundo vizinhos, era um homem discreto, gentil e solitário. Costumava sair apenas para assistir os cultos na Igreja Universal do Reino de Deus. 

Porém, investigações apontam que seu passado pode não ter sido sempre a aparente calmaria. Teria tido a esposa morta por envenenamento e em 2005 foi condenado pela Justiça de Brasília a 14 anos de prisão, por abusos sexuais contra dois meninos, de 8 e 11 anos. Foi solto em dezembro de 2009 da penitenciária da Papuda onde cumpriu um terço da pena e sete dias depois, deu início a uma série de assassinatos. Permaneceu no anonimato por cerca de 101 dias.

As notícias ganharam o mundo, mas o mistério somente foi desvendado no dia 10 de abril de 2010, quando Ademar confessou os crimes. Informou que matou os meninos a sangue frio, após ter mantido relações sexuais com pelo menos dois deles. Em seguida enterrou os corpos em covas rasas em um terreno de difícil acesso na área rural do município. Em sua confissão, Ademar relatou que ouvia vozes, que acreditava ser do diabo, que lhe davam ordem para que transasse com os jovens. Após o ato, sentia raiva e por isso os matava a pauladas e golpes de enxada.

Ao ser preso, Ademar afirmou sentir medo, mas não esboçou qualquer remorso pelo que cometeu. Levou os policiais aos locais onde enterrou suas vítimas. Todos os cadáveres dos meninos de 13 a 19 anos, sumidos entre 30 de dezembro e 29 de janeiro foram encontrados próximos uns aos outros, nus e em avançado estado de decomposição. As investigações revelaram que a abordagem era feita sempre à luz do dia, sem violência, com motivação sexual e desfecho já premeditado: a morte da vítima para eliminar provas contra ele. E, com exceção de uma delas, as demais obedeceram a uma sequência lógica dos dias da semana. Os desaparecimentos ocorreram, respectivamente, na quarta, segunda, domingo, quarta, segunda, sexta e domingo. Para um dos delegados envolvidos com a investigações, esses fatos caracterizam ação de um assassino em série. Ademar foi levado para a Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (DENARD) em Goiânia. No domingo, dia 18 de abril, por volta das 13 horas, seu corpo foi achado por agentes carcerários. Fora enforcado com uma corda de tecido trançado. Laudos da Perícia Técnica Científica atestaram que Ademar suicidou-se.

A doença- Aparentemente o suicídio do assassino poria termo à tragédia, uma vez que todos os envolvidos diretamente, morreram. Porém o episódio, dado a várias circunstâncias, suscita discussões em torno dos critérios para o chamado Regime Semi Aberto, além de apontar para a seriedade da doença de que o assassino era portador. "Sociopatia" ou "psicopatia", é o termo mais popular para "Transtorno da Personalidade Anti-social", que é uma incorrigível deformação de caráter, caracterizada pela pouca consciência ou à sua total ausência. Acredita-se que o mal acomete cerca de 4% da população do planeta, ou seja, uma em cada 25 pessoas. A ausência de culpa foi o primeiro distúrbio de personalidade reconhecido pela psiquiatria e os termos usados para definí-lo ao longo do tempo incluem 'manie sans délire, inferioridade psicopática, insanidade moral e debilidade moral'.

De acordo com o Manual diagnóstico e estatístico de distúrbios mentais DSM-IV-TR, da Associação Americana de Psiquiatria, o diagnóstico clínico do "Transtorno da Personalidade Anti-social" deve ser cogitado quando um indivíduo apresentar, no mínimo, três das sete características a seguir: incapacidade de adequação às normas sociais; falta de sinceridade e tendência à manipulação; impulsividade, incapacidade de planejamento prévio; irritabilidade, agressividade; permanente negligência com a própria segurança e a dos outros; irresponsabilidade persistente; ausência de remorso após magoar, maltratar ou roubar outra pessoa. A combinação de três desses "sintomas" é suficiente para levar muitos psiquiatras a considerarem o distúrbio.

Perfil do psicopata- Engana-se quem associa o psicopata a ferramentas rústicas de trabalho como as utilizadas pelo pedreiro de Luziânia, vivendo em ambientes pobres e desestruturados. A doença pode se esconder por trás de currículos invejáveis e gente que interage em ambientes complemente insuspeitos. O diagnóstico depende da observação dos sintomas da patologia. A psicóloga Martha Stout, membro do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Harvard por 25 anos e autora do livro “Meu Vizinho é Um Psicopata”, vencedor do prêmio Books For a Better Life em 2006, apresenta os passos para reconhecer psicopatas e sociopatas - pessoas com distúrbios psicológicos e mentais caracterizadas, principalmente, pela falta de culpa e consciência. Segundo a autora, a única arma para reconhecer e lidar com psicopatas é o conhecimento. No livro, Stout descreve os psicóticos como pessoas capazes de mentir, roubar e matar sem sentir culpa, desde que isso os ajude a atingir seus objetivos. Ignoram os parâmetros sociais de certo e errado. Embora compreendam por quais razões as demais pessoas respeitam as normas, eles simplesmente não se importam de estar à margem e causar mal àqueles que estão por perto. A psicóloga chama atenção para o fato de que maridos agressivos, pais cruéis ou chefes autoritários, entre outros com os quais podemos conviver, podem ser mais do que apenas sujeitos desagradáveis.
*