Antes,
durante e depois do espartilho, a moda dita os caminhos e descaminhos de muita
gente. Monteiro Lobato descreveu na ficção A Reforma da Natureza curiosas
travessuras de Emília. Na obra, publicada em 1941, a boneca de pano movida pela
curiosidade, se aventura a promover mudanças complexas, como implantar abóboras
na jabuticabeira e jabuticabas no pé de abóbora, as quais, por razões óbvias,
apresentaram resultados desastrosos.
No mundo
atual, à semelhança do inconformismo da clássica boneca, uma espécie de obsessão
por reformas é muito real. O inconformismo ocorre nas pessoas com relação aos
seus próprios corpos. A diferença perceptível entre estas e aquela é que
enquanto Emília recebia um estímulo interior – sua curiosidade, as pessoas parecem
desejosas de mudar a si mesmas para atender a apelos propostos de fora. Eles
vêm por imagens, cores e sons e são formatados com um único e infalível
ingrediente: promessa de felicidade.
Os atuais
padrões de beleza, cada vez mais desvinculados de significação cultural, são
costurados sob medida para um mundo cada vez mais apressado, de gente que
escolhe navegar na espuma das superfícies rasas, e que amplia, rápida e
irresponsavelmente, a importância da forma sobre o conteúdo e da aparência em
detrimento da essência.
A obsessão
Desde tempos remotos se tem notícia de que tratamentos
de beleza eram adotados pelos grupos humanos. A própria Bíblia relata episódios
relacionados a tais procedimentos, como por exemplo em Ester 1.9: “A moça o agradou e ele a favoreceu. Ele
logo lhe providenciou tratamento de beleza e comida especial. Designou-lhe sete
moças escolhidas do palácio do rei e transferiu-a, junto com suas jovens, para
o melhor lugar do harém”.
Para as antigas sociedades chinesas, o pé pequeno
era sinônimo de graça e beleza. Para atingir este padrão, eram amarradas tiras
de pano nas pernas e nos pés das meninas entre os 4 e 12 anos para que
chegassem à idade adulta bonitas, tendo, assim, a possibilidade de se casar. As
tiras eram apertadas até o ponto de dobrar os dedos dos pés para baixo, os
quais eram metidos em sapatos curtos e estreitos. O mesmo resultado era obtido partindo
os ossos dos pés das crianças, dobrando-os para dentro, de modo que parassem de
crescer. Em ambos os casos, este padrão de moda representava uma grande tortura.
Esta tradição reinou por mil anos, sendo abolida somente em 1950.
A obsessão pela beleza é um fenômeno disseminado
por todo o mundo. Em função disso, na América do Norte foi deflagrado um
movimento na tentativa de conter o comportamento de obsessão das mulheres pela
aparência, conhecido como “ruminating”, que em tradução livre é: “Pare de
ruminar a obsessão com seu corpo”. O conceito de ruminação se refere à incapacidade
de se desligar de pensamentos negativos, alimentando um círculo vicioso diante
de um problema. Estudos recentes apontam que as mulheres dedicam 335 horas por
ano à própria imagem, ou seja, quase uma hora e meia por dia. Cerca de 60% das
mulheres adultas têm pensamentos negativos sobre sua aparência. Os dados
demonstram ainda que 46% das participantes acreditam que as redes sociais
aumentam sua preocupação com a aparência.
Uma psicóloga e professora em Universidade dos
Estados Unidos, que estuda o fenômeno da ruminação, afirmou que há uma estreita
associação entre a falta de esperança das pessoas em relação ao futuro, a
produção de pensamentos negativos e a concentração exacerbada na imagem
corporal. A semelhante resultado chegou um estudo desenvolvido pelo
Departamento de Psicologia da Universidade de Washington que concluiu que a
obsessão pelo corpo e um padrão de reação ruminante a situações que envolvem a
própria aparência são sinais de insatisfação exagerada com a imagem corporal.
Outros dados confirmam que a aparência encabeça a lista de preocupações de
muitas mulheres pelo mundo e uma pesquisa revelou que 78% das entrevistadas
passavam quase uma hora por dia cuidando da aparência para se sentirem melhor
consigo mesmas.
Cirurgias
Plásticas
De acordo com pesquisa da Sociedade Internacional
de Cirurgia Plástica Estética (Isaps, na sigla em inglês), em 2013, o Brasil
chegou ao primeiro lugar do ranking dos países que mais fazem cirurgias
plásticas. Nos últimos dois anos, no entanto, de acordo com a mesma fonte, esse
número entrou em queda. O declínio é atribuído à grave crise econômica do país mais
do que a uma mudança de comportamento social.
De acordo a Sociedade Brasileira de Cirurgia
Plástica (SBCP), o procedimento mais popular no Brasil em 2015 foi a
lipoaspiração, seguido pelo implante de silicone nas mamas e da cirurgia da
pálpebra. Em comparação aos outros países, o Brasil é campeão em cirurgias da pálpebra, redução das mamas, aumento do bumbum e cirurgia íntima feminina. Mesmo
com a queda anual nos procedimentos, o Brasil figura em segundo lugar no
ranking dos pesquisados, superado apenas pelos Estados Unidos.
No lado oriental do mundo, a Coreia do Sul está
entre os campeões mundiais em cirurgia plástica. País de onde surgiu, em 2013,
uma modalidade bem curiosa de intervenção cirúrgica, que chegou a gerar certa
polêmica na internet, o “Smile Lipt”, ou sorriso permanente. Na operação, o
canto da boca é levemente levantado para dar a impressão permanente de sorriso.
O “Smile Lipt” é apenas a ponta de um iceberg na extensa e complexa rede de popularização
das cirurgias plásticas neste país. Tal banalização se vê nos anúncios
espalhados em toda a Seul, capital da Coreia do Sul, sugerindo que a pessoa
mude seu rosto ou seu corpo com uma cirurgia plástica.
Um observador relatou que no conhecido distrito de Gangnam, os anúncios que promovem as cirurgias são vistos nos muros, no trem e na rua. Entre as ofertas mais comuns estão contorno facial, implante de silicone nos seios, ajuste para acabar com os pés de galinha, cirurgia para afinar a cintura, redução do queixo quadrado (para os homens) ou transformação de um rosto caído e flácido em um firme e proporcional (para as mulheres). A mensagem que ecoa de tais anúncios é a da felicidade. Defendem que confiança na aparência traz energia positiva que pode ser a essência da felicidade. E este conceito pode estar por traz de um costume que vem se consolidando na Coreia: os pais presenteiam as filhas adolescentes como uma cirurgia de pálpebra dupla. A cirurgia muda o formato dos olhos, deixando-os menos asiático.
Um observador relatou que no conhecido distrito de Gangnam, os anúncios que promovem as cirurgias são vistos nos muros, no trem e na rua. Entre as ofertas mais comuns estão contorno facial, implante de silicone nos seios, ajuste para acabar com os pés de galinha, cirurgia para afinar a cintura, redução do queixo quadrado (para os homens) ou transformação de um rosto caído e flácido em um firme e proporcional (para as mulheres). A mensagem que ecoa de tais anúncios é a da felicidade. Defendem que confiança na aparência traz energia positiva que pode ser a essência da felicidade. E este conceito pode estar por traz de um costume que vem se consolidando na Coreia: os pais presenteiam as filhas adolescentes como uma cirurgia de pálpebra dupla. A cirurgia muda o formato dos olhos, deixando-os menos asiático.
Ignorando riscos
O dopping da
beleza, como está sendo chamado, está entre as indústrias que mais crescem no
mundo. Dados do mercado de anabolizantes revelam que o número de usuários não
para de crescer. Só nos Estados Unidos cerca de 3 milhões de homens fora do
ambiente esportivo usam esteroides, de acordo com levantamento de agosto de
2015. Segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), no
Brasil, um em cada 16 estudantes adolescentes já fez uso desse tipo de
hormônio. É um número alarmante, de um submundo que envolve vendas em
academias, laboratórios caseiros piratas, produtos falsificados no mercado e o
consumo sem orientação médica.
Apesar de não viciar, o uso contínuo de esteroides
pode causar dependência emocional. Em alguns casos, o usuário fica cada vez
mais forte e não consegue notar o exagero. A esse transtorno dá-se o nome de
vigorexia. Estudiosos do comportamento explicam que a diferença entre os que
sofre de vigorexia e pessoas que somente querem ficar fortes é a distorção da
imagem corporal. O vigoréxico se enxerga de forma distorcida e sempre menos
forte do que é.
Em geral, perseguido através de uma alimentação
regrada, atividade física diária e também a ciclos de anabolizantes, o “look
bombado” apresenta-se como desejável padrão de beleza masculina ocidental. O
método é o caminho mais curto para atingir padrões físicos que seriam
conquistados em um tempo natural maior com exercícios físicos e dieta
balanceada; ou nunca conquistados, por falta de pré-disposição do biotipo
físico em questão.
De acordo especialistas, anabolizantes como Durateston,
Deca Durabolin e Hemogenin estão sendo associados a problemas na área sexual, a
infarto, arritmias, derrame cerebral e até à morte. Mesmo pequenas doses de esteroides
como Oxandrolona e Stanozolol, substâncias que se compram pela internet, podem
ser nocivos à saúde.
Sequelas e disfunções também são relatadas ou
denunciadas com relativa frequência pela imprensa. Algumas destas notícias
relatam casos como o do cantor Netinho, que teve um sangramento no fígado pelo
qual foi internado às pressas, causado pelo uso excessivo de anabolizantes. Outro
caso foi o de Maria Melilo, de 29 anos, ex-participante de um reality show, que foi submetida a uma
cirurgia no hospital Sírio Libanês, em São Paulo, para retirar parte do fígado
devido a um câncer detectado no órgão, um dos mais afetados pelo uso de
anabolizantes.
Reações
Mundo afora, corre uma infinidade de ações na
Justiça movidas por pacientes que se tornaram vítimas. Parte do problema é
atribuída ao fato de que a cirurgia plástica é tão lucrativa que médicos não
qualificados para isso – ou mesmo médicos que são de outras áreas da medicina –
estão se aventurando nessa especialidade. Em um dos casos que foi parar na
Justiça, o processo diz que o médico responsável saiu da sala quando o paciente
estava sob anestesia, e que outro médico o substituiu e cometeu falhas no
procedimento.
Além disso, em alguns casos, fotos do antes e
depois dos pacientes usados em anúncios também passaram por programas de
tratamento de imagens. Razão pela qual a própria Associação Coreana de
Cirurgiões Plásticos já deflagrou uma campanha por regras mais rígidas para
médicos da área e também para a publicidade relacionada a esse tipo de
cirurgia, objetivando a preservação da reputação da relevante indústria local,
a indústria da vaidade.
Conclusão
No imaginário social, a beleza não constitui um fim
em si mesmo, ela é um trampolim para a felicidade. E,
por essa felicidade, muitos tem
empreendido buscas frenéticas a qualquer custo. Por isso, com o fim de evitar pensamentos
obsessivos, especialistas recomendam que o ideal é dedicar-se à distração, a praticar
esportes ou a desenvolver atividades artísticas saudáveis. Recomendam ainda que
se cultive pensamentos positivos e se adote atividades que inspirem ideias
otimistas e inspiradoras. Outra prática aconselhada é o investimento na beleza
interior, que pode vir com atitudes como ler um bom livro, matricular-se em um
curso para adquirir novos conhecimentos, entre outras.
Os especialistas afirmam que é necessário entender
que a aparência é uma pequena parte da identidade de uma pessoa. Dizem ainda
que a obsessão pela imagem pode estar escondendo uma eventual falta de autoconhecimento
e rejeição de aspectos da própria personalidade. Para eles, encarar os
problemas de frente para encontrar suas soluções costuma ser o caminho mais
curto e mais produtivo e que concentrar a atenção no que realmente importa
ajuda a desviar o foco da ansiedade e dos pensamentos obsessivos.
É imprescindível fazer uma reflexão sobre os atuais
padrões de beleza, instáveis e oscilantes ao sabor dos ventos, dos ventos do faturamento
e do lucro, que patrocinam uma inescrupulosa corrida que promove o consumidor a
paciente, o paciente a cúmplice e, eventualmente, a vítima. Ao lado da Arte, da
Ciência e da Tecnologia, que são elementos encantadores e indispensáveis,
especialmente às cirurgias reparadoras, caminha um espectro sombrio relacionado
aos atuais padrões de beleza. E este, corroborado pela falta de fiscalização,
pela desinformação e pela publicidade sem escrúpulos, pode levar a sequelas e até
à morte, ao costurar um ciclo vicioso que se retroalimenta.
Carmelita Graciana.
* Trabalho publicado originalmente na revista Visão Missionária Ano 95- Número 1- Janeiro a março de 2017 -
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