quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

CONHEÇO UMA MULHER- VM IT2007


O apóstolo Paulo, para fugir de um relato autobiográfico, entendendo que deveria evitar a autopromoção, relatou uma experiência pessoal grandiosa que tivera, começando pela expressão: “Conheço um homem”. Por uma diferente razão, a história de casamento e de vida de muitas mulheres também começa pela enigmática frase: ”Conheço uma mulher. Para garantir-lhes o anonimato, que serve-lhes de refúgio, depois de romper o silêncio e denunciar seus algozes, que estão entre as mesmas paredes, sentam-se à mesma mesa ou dividem os mesmos lençóis. Mas a partir de outubro de 2006, com a aprovação da Lei 11.340, chamada Maria da Penha, que prevê penas mais severas para os promotores de violência contra a mulher, reavivou-se a esperança de que o terrorismo doméstico, passe a ser um capítulo passado na História da mulher brasileira, sem direito a repetir, porque, ao contrário de muitas das novelas daqui, “não vale a pena ver de novo”.

A mulher e a violência- É praticamente impossível pensar na mulher sem vinculá-la, por força das evidências históricas, à violência. Presente em todas as épocas, lugares, etnias e culturas. Criou-se mesmo um dia para se refletir sobre o assunto, o dia 25 de novembro, como o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher. Contudo, há de se admitir que entre alguns povos tal brutalidade se manifesta de modo mais grosseiro. Este é o caso da realidade da mulher na Índia, que segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), em 2050 será o país mais populoso do mundo, superando a China. São dois casos de aborto do sexo feminino por hora, 48 por dia, 1440 por mês e 17.280 por ano. O país é um dos recordistas em estupros no mundo, segundo a mesma entidade, estima-se que ocorrem em número superior a 20.000 por ano, admite que o número deve ser superior porque muitos casos não são registrados na polícia por ocorrerem dentro das próprias famílias. São pais que violentam suas próprias filhas, às noras, às cunhadas. A impunidade é evidente. 19 em cada 20 estupradores nunca são presos ou processados. E muitas destas vítimas, quando vão à polícia local denunciar a agressão são estupradas novamente pelos policiais. As mulheres estão entre as principais vítimas em qualquer sociedade. Em poucos locais, no entanto, a prática da violência por gênero está mais arraigada, ou é mais aceita, do que na África subsaariana. Em matéria publicada pelo jornal The New York Times, edição de 11/08/2005, assinada por Sharon LaFroniere, fica exposta , em vários ângulos, a brutalidade deste “costume” africano. Na Nigéria, o homem é educado a achar que a mulher é inferior a ele. Mostra que desde a infância, os garotos contam com a preferência dos pais e uma em cada três mulheres nigerianas revela ter sido vítima de abusos físicos por parte do companheiro. A Nigéria é a nação mais populosa da África, tem quase 130 milhões de habitantes e possui apenas dois abrigos para mulheres espancadas, enquanto que os Estados Unidos, por exemplo, possuem em torno de 1.200 abrigos do gênero. Na Zâmbia, segundo um estudo de 2004, financiado pelos Estados Unidos, quase a metade das mulheres entrevistadas afirma ter sido espancada pelo parceiro e cerca de metade delas no mesmo país, entre 2001 e 2002, acredita que os maridos têm o direito de surrar mulheres que os questionam, que queimam o jantar, que saem de casa sem a permissão do cônjuge, que negligenciam a tarefa de cuidar dos filhos ou que se recusam a fazer sexo. Na África do Sul, pesquisadores estimaram que a cada seis horas um homem mata namorada ou mulher, o maior índice de mortalidade devido à violência doméstica já registrado. Em Harare, a capital do Zimbábue, a violência doméstica responde por mais de seis em cada dez casos de assassinatos levados aos tribunais, segundo conclusão de um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), do ano passado. Porém, a maioria das mulheres continua silenciosa com relação a tais abusos e um estudo da OMS (Organização Mundial da Saúde) revelou que, embora mais de um terço das mulheres namibianas tenha denunciado abusos físicos ou sexuais cometidos por um companheiro, muitas vezes resultando em ferimentos, seis em cada sete vítimas preferem fazer segredo sobre o ocorrido ou revelar somente a uma amiga íntima ou parente próxima. Na sociedade africana, via de regra, cabe à mulher o “funcionamento do casamento”, que dependerá geralmente, do grau de tolerabilidade à violência.

O Brasil e a Lei Contra a Violência Doméstica- Não é preciso atravessar o Atlântico para se encontrar opressão e violência contra a mulher. Ela está presente também nas Américas, na América Latina e especialmente no Brasil onde a presença de 340 Delegacias Especializadas da Mulher, demonstra, de modo inequívoco, que o pavor e terror domésticos, têm deixado marcas profundas no corpo e na alma de muitas gerações de brasileiras. De acordo com um artigo publicado pelo jornal Tribuna de Alagoas, em 22/09/2006, quatro mulheres são violentadas por minuto no Brasil. Em 2006, foi sancionada pelo Presidente da República e entrou em vigor no dia 22 de outubro passado, a Lei 11.340, chamada Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. O seu artigo 2º. garante “a toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”. O seu artigo 5º. Define como violência doméstica e familiar contra a mulher, “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Segundo os três incisos do referido artigo, essas ações podem ocorrer no âmbito da unidade doméstica, “compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”; no âmbito da família, definida como a comunidade formada por indivíduos que são ou consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou vontade expressa e em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”. A lei penaliza cinco formas de violência doméstica e familiar contra a mulher: a física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral. E, atitudes até agora consideradas corriqueiras passam a ser tipificadas como conduta criminosa, como por exemplo, impedir que a mulher faça uso de métodos anticoncepcionais, a limitação de seu direito de ir e vir, o insulto e o controle de suas “ações, crenças, comportamentos e decisões”. Ainda são passíveis de punição os atos que configurem “retenção, destruição parcial ou total dos objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos da mulher”. A nova lei pune também a calúnia, a difamação e a injúria Está prevista também, a criação, pela União, Estados, Distrito Federal e territórios, dos juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, com competência civil e criminal. Tais juizados poderão contar com equipe de atendimento multidisciplinar, integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

A mulher na Igreja- Segundo estimativas do Departamento de Pesquisas do SEPAL ( Serviço para Pastores e Líderes), são 40 milhões de evangélicos no Brasil. E, de acordo com a advogada cristã e delegada de Polícia Márcia Noeli, titular da Delegacia de Mulheres de Nova Iguaçu, RJ e autora do livro: “Mulheres Corajosas”, em entrevista publicada pelo site www.clickfamília.com , não são poucos os casos de maridos evangélicos denunciados por promoverem violência no seio de sua própria família, principalmente contra suas esposas. Os relatos bíblicos do início da igreja cristã indicam que a situação da mulher, à época, também não era nada confortável. O próprio Jesus Cristo impediu o apedrejamento de uma delas para “queima de arquivo”, pela sociedade vigente. Outras, dignas de registro por seus atos grandiosos, passaram para a História com a designação genérica mulher e mulheres em lugar de seus próprios nomes. Um reflexo da cultura daquele tempo. Porém Jesus Cristo, para quem Paulo afirma não haver : “judeu nem grego homem nem mulher”,garantiu-lhes a dignidade. E, muito por esta razão, o Cristianismo é marcado tão fortemente pela presença feminina até os dias de hoje e em todas as partes do Planeta. Muitas vezes, trazendo aos pés do Senhor, o mesmo problema que a infeliz pecadora poupada da morte denunciava, a fé hipócrita de sua geração. Nesta linha, seria pertinente indagar se o caráter protelatório em torno da ordenação de mulheres, não estaria imbuído do mesmo pensamento em relação à manutenção do anonimato da mulher na Igreja , vez que sua dedicação e competência no serviço eclesiástico, são indiscutíveis.

Quando entrevistada sobre sua experiência com a violência, a mulher brasileira, em geral propõe: “quero que minha história seja contada, mas sem revelar meu nome” E, a não ser quando o caso já figura nas páginas policiais, é sensato aderir ao expediente do apóstolo. A expressão paulina adaptada ao gênero: ”Conheço uma mulher”, garante o anonimato. Neste caso, mas somente neste, imprescindível. Porque a mulher, principalmente a que tem filhos pequenos ainda é a maior vítima, também na sociedade cristã-ocidental, onde é refém sob uma lindíssima insígnia: ”Rainha do Lar”.
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Carmelita Graciana.
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