Além de levar ao endividamento, perder o controle sobre o dinheiro e os gastos excessivos também pode afetar a saúde. A cura, no entanto, nem sempre está nas mãos da medicina.
Fui ao médico fazer o meu check-up anual. Ao entrar em seu consultório, ele perguntou sobre minha família e eu disse que estávamos todos bem, graças a Deus. Aproveitei o momento e indaguei sobre a sua. Ao contrário de mim, a situação não estava nada bem. Ele me contou que havia se separado. “Poxa, que notícia ruim!”, pensei comigo. O doutor Sued notou meu constrangimento e pediu para que eu não me preocupasse, já que não me dirigi ao consultório para saber de sua família, e sim sobre minha saúde.
Respondi diversas perguntas, fizemos alguns exames e o restante foi marcado para outro dia. A orientação era de que na próxima consulta eu deveria voltar com os resultados em mãos. Mudamos de assunto, e quando ele perguntou sobre meu trabalho, informei que estava ministrando muitos cursos e palestras, e que as empresas procuravam esses serviços com frequência, pois seus empregados se endividam cada vez mais. Expliquei que os funcionários são o maior ativo da empresa, pois detêm o conhecimento, ideias, relacionamentos e processos, e que grandes companhias se preocupam com isso.
O médico, por sua vez, contou que ouvia muito sobre esse assunto no consultório. Os casos variam desde
pessoas com ansiedade, angústia à depressão. Ele até receita alguns medicamentos, mas lhe disse que o que esses pacientes realmente precisam é de educação financeira. Comentei que o estresse causado pelo desequilíbrio econômico é tão grande que o empregado pede demissão, falta ao trabalho e gera problemas de relacionamento em seus círculos profissionais e pessoais.
Nesse momento, o doutor encostou-se em sua cadeira e falou pausadamente: “Eu sei bem o que você está falando. Trabalho muitas horas no hospital e no consultório, não tenho tempo para a esposa e filhos, e quando perdi o controle financeiro, peguei dinheiro emprestado até de agiota”, desabafou. “Isso causou muito estresse e minha mulher pediu a separação. Em um mesmo round fui golpeado diversas vezes. Ao cair na lama me lembrei do banco, da financeira, do financiamento do carro, equipamentos que comprei para o consultório, cheque especial, cartões de crédito, empréstimos que fiz junto a familiares e amigos e apaguei.”
Quando acordou, Sued estava em uma cama de hospital. Fora socorrido por um amigo. Perguntei lhe como havia deixado as coisas chegarem naquele estado, o que ele não soube responder. “Quando abri os olhos já era tarde”, calculou. Em seguida, questionei se ele havia aprendido algo com a lição e como iam suas finanças. O doutor Sued identificou que, agora, tirando o valor da pensão, conseguia pagar as contas do consultório e ainda guardar um pouco.
Expliquei que esse é o ideal, gastar menos do que se ganha e investir o excedente. Nesse momento fui interrompido por ele, que me mostrou a propaganda de um carro novo, partilhou que estava programando uma viagem para “espairecer” e que em breve faria uma reforma no consultório.
Ao perceber meu olhar, ele parou de falar e reconheceu: “Ops, estou cometendo o mesmo erro, não?” Tentei levá-lo a refletir e questionei se ele se lembrava do IPVA, IPTU, Imposto de Renda, pagamento de férias de funcionários, cheques pré-datados e os demais compromissos. Sued mudou o semblante, ficou em silêncio e fitou o olhar para longe.
Perguntei se eu havia me excedido e intrometido em sua vida. Ele declarou que, na verdade, eu lhe fizera um favor e comentou com pesar que como médico não tem décimo terceiro nem FGTS, e que devido ao período de férias o número de consultas cai, o que reflete em seu faturamento. Decepcionado, o doutor me pediu ajuda para fazer um planejamento financeiro, pois, apesar de tanta coisa que aprendeu na faculdade e em suas especializações, nada lhe foi falado em relação ao assunto. Ele então me perguntou se é comum que as pessoas não se organizem e se esqueçam de suas dívidas. Declarei que sim, atitude essa que chamo de “amnésia financeira”. “As pessoas querem esquecer as contas, mas os credores dificilmente o fazem”, ironizei.
Antes de sair, fiz uma última pergunta. “De agora em diante, como o senhor pretende lidar com suas finanças?”, questionei. O médico apertou minha mão como quem agradece por ter recebido um presente e pontuou. “Reconheço que gasto sem pensar e não invisto tempo fazendo um planejamento financeiro”, constatou. “Mas nunca é tarde para aprender. De hoje em diante vou melhorar meus hábitos e tentar reconquistar o que perdi.” Ao me despedir, perguntou-me quando poderíamos conversar novamente sobre sua saúde financeira. Respondi que teríamos um longo ano pela frente e diversas oportunidades para fazê-lo. Consulta encerrada.
(Texto de ALTEMIR CARLOS FARINHAS, publicado em O JORNAL BATISTA-Ano CXII- Edição 23- Domingo, 03.06.2012- www.ojornalbatista.com.br )
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