terça-feira, 13 de setembro de 2011

A FAMÍLIA E O AMOR SOB O EQUADOR

Uma novela exibida em 2010 por uma emissora de televisão brasileira apresentou a paixão como uma poderosa força. Mostrou que o sentimento é capaz de dominar uma pessoa ao ponto de ofuscar-lhe a razão e até mesmo induzí-la a prejudicar terceiros. A tese está de acordo com o senso comum que admite que aquele que sucumbe à paixão torna-se vulnerável e até imprevisível. A Bíblia, por outro lado, afirma, em I Coríntios 13, que o amor: “não é invejoso, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça. É sofredor, benigno e folga com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. Descreve o amor como positivo, construtivo, altruísta e duradouro. Demonstra que o mesmo é fruto de uma decisão estribada na determinação e sustentada no esforço e não orientado pela simples vontade, pelo prazer ou pelos instintos. Assim, paixão e amor são, reconhecidamente, forças muito poderosas, capazes de alavancar grandes iniciativas do ser humano. 

No que se refere à família, um dos empreendimentos mais determinantes de felicidade ou de infortúnio, o que tem sido observado é que a mesma tem sido erigida mais sob o ímpeto da paixão e menos sob os fundamentos do amor, especialmente no hemisfério sul do planeta. Tal procedimento, somado à conjuntura mundial desfavorável à família, contribui para o seu insucesso e a sua crescente desconstrução. E esta degradação tem preocupado estudiosos e, sobretudo cristãos bíblicos autênticos, inconformados com a descaracterização da mais séria instituição estabelecida por Deus.
A inserção do tema aborto fora de hora e fora de tempo nas últimas eleições gerais brasileiras, acabou por demonstrar que a desatenção ao planejamento familiar, do qual o aborto procede, é uma pauta local, urgente e inadiável. Mas, embora surja como um nó na garganta nacional, não pode ser desatado no arroubo das paixões dos palanques, no frenesi dos holofotes, nem empurrado para debaixo do tapete. Ficou claro que a discussão requer uma abordagem séria e multidisciplinar que envolva a sociedade civil de forma responsável. 

A revisão processada na sociedade do mundo ocidental iniciada na década de 1960 abriu espaço para as mulheres, as crianças e os jovens, a parte da família amordaçada no antigo regime. Porém tal rearranjo teve alcance limitado. A infelicidade gerada pelos excessos do autoritarismo persistiu na lacuna da ausência de referenciais. E o fenômeno da descaracterização familiar como grupo continuou a ocorrer. Seria simplismo atribuir tal degradação a um só fator, visto sob um prisma único. Mas é justo imputar grande parte desta responsabilidade à paixão, porque aqui ela tem a proeminência. Determina o rumo das campanhas políticas nos palanques das ruas, as ruas dos coitos sob os lençóis e as rotas cada vez mais curtas dos compromissos sexuais. Estes perderam mesmo o toque de romantismo do “café da manhã prá nós dois”, de Roberto Carlos, de menos de duas décadas. Diminuiu o compromisso com o outro, que virou apenas um parceiro e aumentou a desatenção com a vida sexual, reprodutiva e familiar. A causa é, sem dúvida, um comportamento social de impiedade, bem retratado na canção de Chico Buarque, que já em 1972, repetia: “Não há pecado do lado debaixo do Equador”.

O Planejamento Familiar no Brasil- A partir dos anos 60, as mulheres brasileiras ampliavam suas aspirações de cidadania começando a integrar-se ao mercado de trabalho e o controle da fecundidade passou a figurar entre as suas aspirações e desejos. Porém os serviços públicos de saúde encontravam-se despreparados tanto para dar orientações quanto para oferecer métodos anticoncepcionais. Fomentou-se assim, de forma perversa, uma cultura reprodutiva onde mulheres ainda muito jovens, por desinformação e ausência de alternativas, incluíram em seu projeto de vida a cesariana e a esterilização. Como consequência de tal procedimento, registrou-se a ocorrência de seqüelas como o aumento da mortalidade Peri natal e altas taxas de arrependimento pós-laqueadura. Dados dão conta de que ainda hoje, as taxas de cesariana no Brasil estão entre as mais elevadas do mundo, geralmente com esterilizações simultâneas. E, segundo os especialistas, são inúmeros os problemas adquiridos após a cirurgia como dores pélvicas, obesidade, alterações da libido, alterações da função ovariana, etc. O segundo método mais utilizado entre as brasileiras é a pílula anovulatória e esta, de acordo com algumas pesquisas, tem contribuído sensivelmente para a elevação de incidência de doenças cardiovasculares entre as mulheres.

No mundo a pílula, que fez 50 anos em agosto de 2010, é o líder mundial entre os métodos contraceptivos. É usada por mais de 100 milhões de mulheres e considerada por alguns como o avanço científico mais importante do século 20 por revolucionar a vida da mulher e a regulação de drogas no planeta. Desde 1960, quando as norte-americanas puderam comprar, com autorização legal, o Enovid, já foram 215 milhões de mulheres em todo o mundo as que já se beneficiaram do contraceptivo. Mas, segundo dados da Organização Women Deliver, ainda são 200 milhões de mulheres as que continuam sem acesso fácil ao medicamento, especialmente as habitantes de países subdesenvolvidos.

A população do planeta ultrapassa a cifra dos 6,7 bilhões de habitantes, e convive com ameaça e escassez de alimentos. Previsões dão conta de que em 2050, quando atingir 9,2 bilhões, a comida será muito cara e rara como nunca. Mas os povos continuam a encher a terra já cheia, cheia de irresponsabilidade, pelas fábricas caseiras de fazer gente sob os lençóis da paixão e nos bastidores inomináveis das lindíssimas fachadas da reprodução assistida. E tanto a gente que sobra, produzida no primeiro caso, como as sobras de gente, do segundo, são destinadas ao descarte. Em maio de 2008, votou-se favoravelmente ao projeto do uso de pesquisas científicas com células-tronco embrionárias no país, com grande expectativa de cura para muitas doenças que acometem a sociedade brasileira, mas por outro lado, esta mesma sociedade desconhece sobre o acondicionamento, os procedimentos e a destinação do “material” gerado em nossos “laboratórios de fazer gente”. A Terra está cheia e cheios estão também os orfanatos, as cadeias, os manicômios, as sombras úmidas dos viadutos, os casebres empilhados nos lugares inabitáveis do mundo e as latas de lixo, com gente não planejada, indesejada e cruelmente descartada, que nasceu fora de tempo, fora de hora e fora de lugar.

A Lei n.º 9.263, sancionada em 12 de Janeiro de 1996, regulamenta o planejamento familiar no Brasil. A mesma define o planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade com o fim de garantir direito igual de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal e afirma que compete ao Estado propiciar recursos para o exercício de tal direito. O resultado de um estudo realizado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), por meio de cruzamento de dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) 2009, divulgado em 2010 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), demonstra que de 2001 a 2009 a proporção de famílias chefiadas por mulheres no Brasil subiu de 27% para 35% do total, ou seja, são 21.933,180 as famílias brasileiras chefiadas por mulheres. Outros dados dão conta de que, cerca de 1,1 milhões de adolescentes brasileiras engravidam por ano e que 65% das mulheres grávidas têm menos de 20 anos. Tais dados revelam que as mulheres figuram como principais vítimas do descaso com o planejamento familiar no país, tanto antes como depois da pílula e da Lei, protagonizando os horrores do aborto e outros horrores, decorrentes da tragédia social de ignorar um direito constitucional e fundamental, o de procriar, responsavelmente.

O Planejamento familiar na Bíblia- Desde os primeiros capítulos da Bíblia, está presente a idéia de planejamento familiar. A expressão: "Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a", que aparece em Gênesis 1.28, dá uma indicação de que as primeiras noções de planejamento familiar foram elaboradas por Deus. A idéia era povoar a terra vazia, através de proles numerosas. Tal idéia persistiu nos tempos de Abraão, patriarca dos hebreus, quando a grande quantidade de filhos era entendida como uma bênção. “Que deveras te abençoarei, e grandissimamente multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus, e como a areia que está na praia do mar; e a tua descendência possuirá a porta dos seus inimigos” (Gênesis 22.17). Depois, em Salmos 127.3-5 está escrito: “E is que os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão. Como flechas na mão de um homem poderoso, assim são os filhos da mocidade. Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava; não serão confundidos, mas falarão com os seus inimigos à porta". Mais adiante, os filhos se tornam senha de inserção social. Razão pela qual a narrativa bíblica apresenta o sofrimento de várias pessoas por causa da esterilidade. Outro fator observado é que numa cultura de tradição oral, os filhos são ao mesmo tempo guardiões e disseminadores dos valores sociais.

Foi registrado ainda na Bíblia, um fato curioso sobre o domínio de técnicas de reprodução animal por Jacó, um dos patriarcas hebreus. Tais técnicas determinavam a coloração de pelos do gado, que neste caso garantia a Jacó uma vantagem financeira, mediante um acordo que seu sogro Labão lhe propusera. Fora o componente moral, cuja discussão não é proposta nesta reflexão, deduz-se que uma sociedade onde indivíduos dominam técnicas de reprodução empregada para os animais, tenha alguma facilidade em manipular as mesmas técnicas em se tratando de sua própria espécie.

O planejamento familiar é um dos temas mais relevantes e mais urgentes, especialmente em países do Terceiro Mundo. No Brasil, por exemplo, uma das ocorrências mais preocupantes relacionados à sexualidade, é a gravidez precoce. A cifra de 1,1 milhões de meninas brasileiras que engravidam por ano representa muito transtorno para a vida das envolvidas, de seus filhos que nascerão e de suas famílias. Estudiosos atribuem tal fato à falta de perspectivas de vida, ao descuido ou simplesmente à emoção. Emoção transfigurada em desespero com a constatação de que a criação e condução de 35% das famílias brasileiras já estão sob a responsabilidade das mulheres, notadamente mães e avós.

 E estas, por sua vez, angustiam-se ante a tarefa solitária de amparar a prole acidental de uma sociedade ímpia, onde, muito ao contrário do que se cantava na década de 70, há muito pecado do lado de baixo do Equador. Mas, lamentavelmente, do lado de cima também.

Curiosidade: O joão-de-barro (foto de ninho) ou forneiro é uma ave Passeriforme da família Furnariidae. É a ave símbolo da Argentina, onde é chamado de hornero ("Ave de la Patria" - desde 1928), mas ocorre também, com bastante frequência, em outros países da América Latina como no Brasil. A família do joão- de- barro é abrigada em um ninho construído de barro úmido misturado a palha e esterco seco nos encontros dos galhos das árvores, em postes de eletricidade ou em outros locais altos e de difícil acesso. E o casal canta em dueto nos arredores do ninho, tremulando as asas, em postura altiva.


A postura do joão-de-barro deve ser um exemplo para todos os que desejam constituir uma família. Planejamento, cuidado e proteção, são valores imprescindíveis a todas, em qualquer contexto, tempo e lugar.

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