domingo, 27 de setembro de 2015

O ENCURTAMENTO DA INFÂNCIA



O filme que recebeu no Brasil o nome de Querida, Encolhi as Crianças” e tornou-se um grande sucesso do cinema nos anos 1990, relata que o cientista Wayne Szalinski constrói uma máquina que, acidentalmente, encolhe seus filhos e, os do vizinho também, levando-os a um mundo cheio de perigos.  A história trágica, com um toque de humor, descreve o pânico provocado pelo encolhimento das crianças que, em tamanhos menores do que formigas e no meio de um jardim, são constantemente ameaçadas por monstros gigantescos e tempestades intermináveis.

Diferentemente da ficção da ‘telona’, também assistida por milhares de famílias ocidentais, na “telinha”, torcendo pela reversão do erro e pela volta dos personagens ao estágio original, o fenômeno que está sendo denominado “encurtamento da infância”, tem consequências absolutamente irreversíveis. Razão pela qual, a temática já figure entre as grandes preocupações dos estudiosos da faixa etária, na atualidade.


Breve História da Infância
Definida como o período que vai do nascimento até aproximadamente o décimo segundo ano de vida de uma pessoa, a infância é uma fase de grande desenvolvimento físico, marcado pelo crescimento da altura e do peso da criança - especialmente nos primeiros três anos de vida e durante a puberdade. Neste período especial, o ser humano desenvolve-se também psicologicamente e sofre notáveis mudanças no comportamento, tempo em que é formada a base de sua personalidade. Estudiosos concordam que a criança é um ser em construção e se transforma de acordo com o tipo de sociedade e ambiente em que vive e estes, imprimem grande influência em seu crescimento físico e psicológico.

O historiador, Philippe Ariès, considerado um dos mais respeitados pesquisadores sobre a infância, afirmou em seu trabalho História Social da Criança e da Família (1978): “Desde a antiguidade, mulheres e crianças eram consideradas seres inferiores que não mereciam nenhum tipo de tratamento diferenciado, sendo inclusive a duração da infância reduzida. Por volta do século XII era provável que não houvesse lugar para a infância, uma vez que a arte medieval a desconhecia” (ARIÈS, 1978). 

O pensamento de Ariès se apresenta como uma importante fonte de conhecimento por ser pioneiro na análise e concepção da infância, trabalho no qual fica demonstrado que, a partir do século XII, a infância é bastante frágil e desvalorizada, que na Idade Média não havia sentimento de infância e que a criança era  tratada como uma espécie de instrumento de manipulação ideológica dos adultos e que a partir do momento em que elas apresentavam independência física, eram logo inseridas no mundo adulto. Deste modo, a criança não passava pelos estágios da infância estabelecidos pela sociedade atual. Para o pesquisador, o sentimento de infância foi desenvolvido dentro de um processo histórico, que levou ao reconhecimento social do valor da infância, somente na modernidade.

Em sua avaliação, condições econômicas, sociais e culturais também interferem na condição da vivência da infância, admitindo que, nem todas as crianças terão as particularidades da infância reconhecidas e praticadas.  A tese de Ariès indica o surgimento da concepção de infância, apenas no século XVII, junto com as transformações que começariam a se processar na transição para a sociedade moderna. Assim, para este autor, na história da construção do sentimento de infância, percebe-se que a trajetória da criança é marcada pela discriminação, marginalização e pela exploração. O trabalho de Ariès foi criticado por alguns historiadores, aceito como ponto de partida de estudo para outros, porém muito bem recebido por psicólogos e sociólogos.

Contrapondo o trabalho de Ariès alguns historiadores apontaram indícios de que se pensava sim nas crianças, não podendo então afirmar a ausência de sentimento de infância. Para Nicholas Turker, um psicólogo da área educacional, escritor e estudioso britânico, cada sociedade cria seu próprio significado de infância. Ele afirma que na grande maioria, a infância é resultado das expectativas dos adultos. Assim, quando se quer estudar sobre infância em qualquer época, primeiro, estuda-se os adultos.

Com Nicholas Turker, concorda o filósofo Professor David Archard, autor de várias obras na área da infância, tais como: Children, Family and State, Sexual Consent e The Family: a liberal Defense, que sugeriu que, em diferentes épocas, a sociedade teve o conceito de infância variando em suas concepções e nas ideias relacionadas ao entendimento do que é ser criança.

Adultização da Infância
Uma das formas mais diretas de se “encurtar a infância” é pela via da adultização das crianças. A adultização se dá pela adoção de comportamentos mais ou menos pulverizados na vida social, que aparecem, ora mais eloquentes ora mais discretos, trazidos através da moda, dos jogos eletrônicos, da produção cultural como nos filmes e, ironicamente, pelas “programações lúdicas”.

Um episódio em especial, ocorrido no Brasil no ano de 2011, trouxe à tona o tema da adultização. Tratava-se da divulgação de uma campanha publicitária que propunha vender um modelo de sutiã com bojo ou enchimento para ser usado por meninas de seis anos de idade. O modelo, produzido por uma marca infantil mundialmente conhecida, chegou a ser comercializado em uma tradicional rede brasileira de varejo. Porém, mediante grande polêmica, gerada entre educadores, estudiosos do comportamento e psicólogos no país, que acusaram os agentes envolvidos de incentivarem a erotização e promoverem a antecipação da sexualidade nas crianças de seis anos de idade, foi retirado das prateleiras.

A adultização da infância ou antecipação da idade adulta, é um problema que não está restrito à sociedade brasileira. A indústria dos conhecidos Concursos de Beleza que ocorrem na América Latina, por exemplo, são amostra real da adultização. Para estes eventos, são recrutadas meninas muito pequenas e se lhes incutem valores e padrões do ideal da beleza adulta como proposta ou sonho para a criança seguir.

Os estratagemas podem variar de grupo para grupo, dependendo dos diferentes objetivos, em geral nunca relacionados a qualquer interesse das crianças envolvidas. Porém, tal comportamento, que subtrai a infância das crianças, embora não se apresente grosseiramente violento e perverso, pode contribuir para explicar mazelas sociais não explicadas presentes no conjunto da sociedade pós- moderna. Entre as consequências enumeradas pelos estudiosos como decorrentes da promoção da adultização ou encurtamento da infância, está a infantilização de adultos, que ocorre em função de se promover esta “queima de etapas”, induzir ou forçar as crianças a um amadurecimento rápido demais.

Tais estudiosos alegam que, ao deixar de vivenciar a infância plenamente, os adultos pseudo amadurecidos, tendem a, inconscientemente, voltar a essa fase na tentativa de recuperar algo perdido, tornando-se adultos infantilizados. O que sugere repensar tantas atividades a que as crianças de hoje são chamadas a realizarem, a repensar a tripla jornada a que a mãe está sujeita, deixando os filhos pequenos sob os cuidados de terceiros com os quais não necessariamente estabelecem vínculos. Autoridades no assunto admitem que, certamente, muito da degradação dos relacionamentos interpessoais, notadamente inconsistentes e deploráveis de nossos dias, relacionem direta ou indiretamente ao “Encurtamento da Infância”.

Com relação ao encurtamento da infância, não há ilusões. O fenômeno social vem servir às causas de exploração e deformação da própria infância. O furto dos anos iniciais das crianças para submetê-las ao submundo repugnante da exploração sexual, ao odioso tráfico de drogas e de gente e, mais recentemente, ao terrorismo radical das facções terroristas e insanas, tem um elevadíssimo custo social para toda a humanidade. A criança formada em tal conjuntura, pertencente a uma geração sem causa e habitante de um mundo sem rumo, está mais vulnerável ao doutrinamento para causas mais radicais como as relacionadas à destruição e à morte, às ideologias do horror como se tem assistido no mundo atual. Assim, destruir a infância de algumas gerações, pode afetar toda a comunidade na terra, direta ou indiretamente.

Em Janeiro deste ano de 2015, o chefe de um grande grupo religioso no mundo causou estranheza quando aconselhou aos fiéis que não sejam como coelhos tendo um número muito grande de filhos porque pôr filhos no mundo pressupõe uma grande responsabilidade. A fala do líder causou grande polêmica, já que seu grupo oficialmente condena os métodos contraceptivos tradicionais. Porém, o pensamento do líder coaduna com uma ideia social sobre a responsabilidade da paternidade, veiculada nas redes sociais para o grande público. Na postagem, aparece um cartaz com a imagem de uma senhora bonita e distinta, com o dedo em riste para o leitor, colocada ao lado de uma inscrição que diz:  “Filho é algo muito sério e precisa de cuidados, amor, atenção e educação. Um filho precisa de uma parte de sua vida dedicada a ele. Se você não é capaz de abrir mão de certas coisas, NÃO TENHA UM FILHO”.


Nota: Trabalho (Texto e Imagem)  publicado originalmente na  Revista Visão Missionária  Ano 93- Número 4 - Outubro a Dezembro de 2015- 4T15.

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