quinta-feira, 15 de março de 2012

ABRAÇO DE MÃE ( VM 2T2012)

A expressão “lamber a cria”, utilizada tão despretensiosamente por tanta gente, surge, segundo os estudiosos, de uma das mais delicadas, mais generosas e mais gratificantes experiências dos seres vivos, cujos resultados benéficos tendem a persistir ao longo de suas vidas e a estender sobre a de seus descendentes. Em agosto de 2010 o mundo ficou encantado com o relato de um abraço de mãe, conhecido como abraço da ressurreição. 

Segundo o noticiário, na Austrália uma mulher dera à luz a gêmeos prematuros, com sete meses de gestação. A menininha sobreviveu, mas o menininho com 900 gramas e fraquinho, sobreviveu apenas por 20 minutos depois do parto. Morto, foi entregue pelos médicos à mãe que desejava se despedir do pequenino. Porém, a mesma colocou o bebê no peito e o chamou pelo nome: Jamie. Conversou, fez carinho e depois de duas horas o garoto respirou. Ela, então, deu a ele leito materno. Em princípio, os médicos não acreditaram, disseram que os movimentos eram reflexos. Mas o bebê abriu os olhos e voltou a viver. A criança, à época em que a notícia foi veiculada, agosto de 2010, tinha cinco meses de vida e estava muito saudável.
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O Poder do Toque- Até recentemente, os bebês prematuros eram deixados sozinhos em incubadeiras, separados da mãe. E, apesar de receberem cuidados médicos, alimento, oxigênio e calor, esses bebês tinham problemas de desenvolvimento e demoravam a receber alta e ir para casa. Resolveu-se permitir que as mães ficassem por perto, acariciando suas crias e notou-se uma drástica mudança: os bebês subitamente cresciam, tinham mais saúde e iam para casa em menos tempo. Experiências com bebês-rato demonstraram que o recebimento de carinho na fase inicial da vida muda permanentemente sua resposta ao estresse.  De acordo com estudiosos, a explicação está no fato de que o cérebro, que possui um sistema especializado em detectar carícias,  parece interpretar a falta de toques e carinhos como sinal gritante da ausência de alguém que cuide do bebê, e aciona uma resposta generalizada de estresse, com liberação de hormônios glicocorticóides. Em conseqüência, corpo e cérebro saem do modo ’desenvolvimento/ crescimento’, entram no modo ’sobrevivência’, armazenando reservas, e dele só saem quando o cérebro detectar carinhos que indicam que alguém começa a se ocupar do bebê.  Mas os benefícios do carinho vão além de permitir o desenvolvimento tranqüilo do bebê.

Benefícios do Toque-Michael Meany, da Universidade McGill, no Canadá, mostrou no final dos anos 1990, que ratos que são devidamente lambidos por suas mães durante a primeira semana de vida, tornam-se adultos mais tranqüilos, pouco medrosos e com respostas hormonais e comportamentais de estresse mais controladas do que ratos criados por mães-ratas pouco carinhosas. Segundo ele, ser lambido pela mãe provoca nos bebês-rato um aumento na liberação de serotonina (conhecida como hormônio do prazer) no cérebro. Também Suzana Herculano-Houzel, uma neurocientista brasileira, professora universitária e escritora, autora de várias obras entre elas: O Cérebro Nosso de Cada Dia (Vieira & Lent, 2002) e Fique de Bem com seu Cérebro (Sextante, 2007) afirma, em artigo Publicado em 04/10/2002 | Atualizado em 28/01/2010, na coluna Nosso Cérebro de cada dia da página do Instituto Ciência Hoje, que cientistas identificam fibras nervosas que respondem exclusivamente a toque amoroso. Assim, diz a cientista: “carinho é um santo remédio. Serve como tranqüilizante, faz bebês prematuros crescerem mais rápido, cria vínculos emocionais entre as pessoas, além de ser muito bom!”. Recentemente, um grupo de neurocientistas americanos, sob a coordenação do neurobiólogo Ron Frostig, da Universidade da Califórnia concluiu que estímulo sensorial pode evitar seqüelas de AVC. Entendeu-se que com leves toques e sons evita-se morte neural e diminui lesões em camundongos. O experimento consistiu em  primeiramente induzirem AVC em ratos, bloqueando uma artéria que irriga o cérebro. Em seguida, tocaram o pelo dos animais e mediram, simultaneamente, a atividade cerebral dos roedores. Quando os pesquisadores vibravam um único pelo, até duas horas após o AVC, os neurônios que normalmente teriam morrido continuavam a funcionar. Após o experimento, os animais não apresentaram paralisia e déficits sensoriais. O mecanismo exato do efeito protetor ainda não está claro, mas parece envolver o redirecionamento do sangue através de veias não danificadas. No entanto, os estudiosos ressaltam que o efeito talvez não seja exatamente o mesmo em humanos, considerando o tamanho do cérebro dos ratos, muito menor que o das pessoas. “De qualquer forma, conversar com o paciente e segurar sua mão, no trajeto até o hospital, com certeza não fará mal algum”, observou o coordenador da pesquisa.

Relacionando-se- Estudo realizado por uma equipe de cientistas da Universidade de Pádua, na Itália, indica que gêmeos têm a tendência de se tocar durante a gestação. Segundo estes cientistas, este toque não acontece pela falta de espaço, nem pelo acaso, mas pelo desejo de se comunicarem. O trabalho, coordenado pelo professor Umberto Castiello, contou com a colaboração de cinco mães que esperavam gêmeos e com um equipamento de ultrassonografia 4D, utilizado para estudar a anatomia e o bem-estar do feto em seu desenvolvimento. O acompanhamento das gestações durante dois exames realizados entre as 14ª e 18ª semana de gravidez proporcionou imagens que mostravam a inclinação dos gêmeos para se encontrar um com o outro e se tocar. De acordo com os estudiosos, que publicaram seu trabalho na Public Library of Science One, (PLoS ONE), as imagens  revelam que esses contatos entre os irmãos são cuidadosos e suaves e não os prejudica. Enquanto no início da gestação eles se mantêm distantes e seus movimentos são suaves, impossibilitando-os de alcançar o outro, a partir da 11ª semana, o contato começa pelas cabeças e entre a cabeça de um e o braço do outro. Mas o que mais chama a atenção nesse estudo é a conclusão à qual se chega: os seres humanos vivem “sua primeira relação social antes de nascer", diz o artigo, o que comprova a natureza social dos seres humanos e sua necessidade de manter contato com os demais desde os momentos mais iniciais da vida. Ainda de acordo com o professor Julian Lopez-Torrecilla Fernandez, do Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação da Universidade Autônoma de Madri, a necessidade de inter-relação entre os seres humanos não só é possível, mas necessária. “Necessitamos de contato com os demais para nosso desenvolvimento. Isto tem duas vertentes: a cognitiva (o desenvolvimento fisiológico do cérebro, das capacidades e aptidões) e a social (contato físico e emotivo). As duas se baseiam no contato com os outros", ressalta o professor.

O Contato – Entre as imagens pintadas no centro da Capela Sistina, na Itália, está a criação de Adão. A representação do toque de Deus por Michelangelo é notável, sobretudo, segundo Gombrich, porque o artista representou apenas um quase toque de Deus em Adão, retratando a comunicação mesmo em apenas um quase toque de Deus em Adão, significando o infinito entre as duas personagens, criador e criatura. Passagens bíblicas também remetem à importância do toque. Por exemplo, em: Marcos 5:31:  “E disseram-lhe os seus discípulos: Vês que a multidão te aperta, e dizes: Quem me tocou?  Lucas 7:39: “Quando isto viu o fariseu que o tinha convidado, falava consigo, dizendo: Se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe tocou, pois é uma pecadora. A Bíblia apresenta o poder do toque também para a vida e para a morte. Por exemplo: Números 19:22: “E tudo o que tocar o imundo também será imundo; e a pessoa que o tocar será imunda até à tarde”.  E ainda, Marcos 5:28: “Porque dizia: Se tão-somente tocar nas suas vestes, sararei.

Segundo Montagu, um antropólogo e humanista inglês, em sua obra: Tocar: o Significado Humano da Pele, Editora: Summus, 1988, ISBN 8532303080) a pele é o nosso mais antigo e sensível órgão e o nosso primeiro meio de comunicação, porque a pele tem a mesma origem embrionária do sistema nervoso.  Para ele, ela funciona como um livro que registra a história e as experiências de cada um. Já, para Carl Gustav Jung, um psiquiatra suíço e fundador da psicologia analítica, também conhecida como psicologia junguiana, nossa consciência é um produto da percepção e orientação no mundo externo, que se localiza no cérebro, e sua origem é ectodérmica. Segundo este  estudioso, desde a época dos nossos ancestrais essa consciência acontece através do relacionamento sensorial com o mundo exterior.  Para Jung, é como se o sistema nervoso fosse uma parte escondida da pele e esta, por sua vez, seria a porção externa do sistema nervoso. Por esta razão, segundo ele, ser tocado é essencial para o desenvolvimento humano e é um ato instintivo dos animais mamíferos. Este cientista também lembra que os filhotes de mamíferos, como cães e gatos, sempre são lambidos pela mãe e que o ato de lamber a cria é fundamental para garantir a sobrevivência.  Alega que tanto os animais como os seres humanos que são privados das lambidas da fêmea ou do carinho da mãe, desenvolvem doenças. Outros autores chegaram à conclusão de que a criança privada de estimulação tátil se torna desajeitada física e emocionalmente, não só a nível psicológico como também comportamental.

Assim, o episódio que ficou conhecido como o abraço da ressurreição, citado no preâmbulo deste artigo, pode representar um acontecimento pontual, episódico. O abraço de uma mãe nem sempre terá esta magia. Nem sempre será capaz de mudar a realidade palpável e cruel da existência de um indivíduo, que a própria Bíblia descreve como o mal de cada dia. Mas certamente o carinho materno demonstrado, a expressão de amor e confiança no potencial do filho, lhe alavancará a auto-estima. E, assim, o abraço de mãe seria uma grande ferramenta para levantar uma sociedade desorientada e esmorecida. Com realismo sabe-se que nem todo abraço de mãe tem a virtude de ressuscitar da morte, mas ninguém duvida de que o mesmo pode pôr um filho em pé diante da vida.

(Publicado originalmente em Visão Missionária Ano 90-No. 2-2T2012)
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