Benedita Rodrigues Ferreira tinha o sonho de se casar
“Tenho muita alegria e sinto
muita vitória por ter criado todos os meus filhos como gente de bem”.
Carmelita Graciana
Benedita Rodrigues Ferreira, como a maioria das meninas
brasileiras, tinha o sonho de se casar. Encontrou em seu primeiro namorado o
homem com o qual realizaria este sonho e a ele prometeu viver, “até que a morte
os separasse”. Porém, como grande parte das meninas latino-americanas e
ocidentais, que, embora embaladas por cantos das Cinderelas, não chegam
exatamente a habitar palácios, nem são tratadas como princesas.
Sentada em sua sala de visitas, com uma fisionomia doce e
um sorriso meigo, aos 75 anos de idade, a aposentada relatou, com riqueza de
detalhes, o drama que viveu por causa de um assunto recorrente, também
experimentado por milhares de mulheres no mundo, a violência doméstica. O
problema lhe absorveu horas, dias, meses e anos de sossego e parte considerável de sua
mocidade, mas levou-lhe, literalmente, um pedaço do braço esquerdo,
deformando-lhe também a perna direita.
1- Como começou seu drama
relacionado à violência doméstica?
Meu marido
era um homem muito inteligente e embora não tivesse frequentado escola,
aprendeu sozinho a trabalhar com madeira e era muito bom naquilo que fazia e
prosperávamos financeiramente. Fomos felizes durante os primeiros anos de
casados, enquanto morávamos na zona rural e criávamos nossos sete filhos e não
faltava o necessário para nenhum deles. O
problema começou quando passamos a residir em uma corrutela e ele se juntou a
más companhias. Penso que ele era um
homem totalmente despreparado para o convívio social porque se deixou
influenciar pelas ideias e práticas dos companheiros, aderindo-se ao álcool, ao
mulherio e à ociosidade e tornando-se um homem violento. Passou a intimidar e a
ameaçar a mim e às crianças todos os dias, de todas as formas, inclusive com
frequência, corria atrás de nós, especialmente de mim, com uma grande faca que
tinha. Era um sofrimento, você precisava ver.
2-Quando se deu o acirramento da
violência contra a senhora?
Eu estava
muito alegre de ter convertido e alegre de ir à igreja com meus filhos, mas
ele, revoltado, aumentou a hostilidade para comigo e as crianças e passou a
xingar demais os crentes e a igreja.
Para piorar, passou a ameaçar a vender nossa casa de morar, o único bem
da família, que construímos com enorme sacrifício.
3-Quando, como e onde foi o
episódio mais violento que a senhora sofreu?
Desde que
nos mudamos para o povoado de Dianópolis (GO), eu trabalhava fazendo quitandas
para vender na rua, auxiliada pelas crianças, para pagar as despesas da casa.
Eu trabalhava demais com os meninos. Tínhamos de conseguir e carregar os feixes
de lenha para o forno rústico, amassar os bolos ou biscoitos, pô-los em formas
e assar. A última etapa era ir para as ruas e vendê-los.
Naquele dia,
voltei da rua após uma caminhada exaustiva, trazendo um pouco de polvilho para
as quitandas do dia seguinte. Os filhos
entraram antes de mim. Um deles voltou e
disse que seria melhor que eu não entrasse em casa. Eles tinham visto o pai
afiando a tal faca com que sempre nos ameaçava. Entrei assim mesmo com o saco
de polvilho que pus em cima da mesa e ele já veio para o meu lado com a faca,
tentando me acertar. Corri pelo lado da casa até chegar a uma bodeguinha que
havia perto de minha casa onde pedi ajuda. Mas sem tempo, ele chegou atrás e me
desferiu um golpe para acertar a cabeça, mas a facona me acertou o braço
esquerdo de modo que o pedaço que se desprendia ficou preso praticamente pela
pele. Em seguida, também me atingiu fortemente na perna direita, à altura da
coxa. Caí desmaiada e, segundo contaram
depois, o sangue jorrava com força. A cidade toda se juntou me acudindo e
levando ao hospital onde recebi todo o cuidado possível por parte dos médicos,
mas quanto ao braço não tinha mais o que fazer. O assunto teve forte
repercussão e meu marido fugiu. Estava grávida de cinco meses de nossa oitava
filha e ainda foi possível levar a gestação até o final, mesmo com muito
sofrimento, mas a criança, uma menininha, faleceu alguns dias após o
nascimento.
3-A senhora vê algum motivo como
detonador da tentativa de homicídio contra a senhora?
O episódio
que quase me levou à morte ocorreu logo depois de uma denúncia que fiz na
delegacia da cidade, após uma de suas mais violentas investidas contra mim com
a utilização da tal faca, que amolava todos os dias em nossa frente, depois de
estragar por completo toda uma encomenda de bolos pronta para assar.
4-A senhora voltou a ter notícias
sobre seu agressor?
Após o
ocorrido, depois de ser tratada pelos médicos e fazer muitas adaptações físicas
e mentais para a nova conjuntura e o novo formato de meu corpo, tive que viver
ainda numa atmosfera de medo causado pela presença furtiva de meu ex-marido.
Segundo informações, ele espreitava a casa na expectativa de concluir o que
começara. Depois, vim, a saber, que ele se uniu a outra mulher e, ao tentar
fazer a ela o mesmo que fizera a mim, também com uma faca, os filhos da mesma
tiraram a vida dele.
5-Perdão, como a senhora lidou
com este assunto, relacionado ao seu agressor?
Mediante o
ocorrido, tive uma crise emocional e espiritual. Pensava que eu estava sendo
punida. Sempre me perguntava qual seria o pecado tão grave que teria cometido
ao ponto de Deus ter permitido que arrancassem um pedaço do meu corpo? Mas depois,
vi o resultado positivo das bênçãos de Deus em minha família. Vi que até mesmo
a aposentadoria que passei a receber por invalidez, me servia muito. E, diante
das vitórias que o Senhor foi me concedendo na vida com minha família, eu
consegui perdoar meu marido. Mediante o que Deus fez por mim, senti que não
poderia deixar de perdoá-lo, mesmo considerando que ele tentou me matar e me
deixou amputada. Hoje tenho uma vida maravilhosa com o Senhor e sou feliz
porque sou livre, livre para viver esta vida.
6-O que a senhora pensa sobre uma
mulher que vive sob o estigma da violência doméstica?
O casamento
sempre teve embaraço e a vivência é muito difícil. Mas, parece que há uma
polarização entre a mulher de antigamente que suportava tudo, era maltratada e
até morta e por outro lado, a mulher que não tem firmeza nem paciência para
enfrentar dificuldades no casamento. Parece-me que esta última, passou a
encarar a vida de casada como uma coisa descartável e por qualquer motivo pede
o divórcio. Não vejo nestas duas
condutas solução para a família. O que penso é que as pessoas estão muito
desorientadas com relação à vida familiar. Creio que a solução está em Deus, só
em Deus.
7-A senhora teria alguma palavra
às mulheres que sofrem por este tipo de violência?
Penso que o
que se tem que fazer é reunir, dar palestras e aconselhamento às pessoas que agridem
seus familiares. Mas acredito que depende deles mesmos mudarem a mente mediante
aconselhamentos. Pessoalmente, não vejo como solução prender o agressor. Hoje
em dia existem leis específicas com relação ao assunto e continua tendo muita
violência dentro de casa, principalmente contra as mulheres e crianças. Pode
ser que coíba em algum grau, mas acredito que alguns se perdem irremediavelmente,
dominados pela agressividade e pela revolta e tornam-se sem condições de
convivência dentro da mesma casa. E, quando chegam a este ponto, não tem jeito,
é melhor separar. Hoje eu sou feliz com meus filhos. Somente no Senhor há
felicidade, para a família e para a pessoa.
*Entrevista publicada
originalmente em Visão Missionária ANO 93 – NÚMERO 2 – ABRIL A JUNHO DE 2015 –
2T15
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