segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

NOSSA INFÂNCIA MALTRATADA-Visão Missionária IVT2009


Em anos eleitorais, é comum vermos imagens de candidatos abraçando crianças, carregando-as no colo e até mesmo beijando-as. Tais imagens são produzidas por causa de uma espécie de consenso social sobre a necessidade de proteção à infância. Há 18 anos, pela Lei 8069 de 13 de julho de 1990, votou-se no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente, visando a proteção integral à criança e ao adolescente, sendo que criança é entendida como a pessoa que tem até doze anos incompletos e adolescente, a pessoa que tem entre doze e dezoito anos de idade. A concepção do Estatuto da Criança e do adolescente levou à criação dos Conselhos Tutelares (no âmbito dos municípios); e dos juizados da Infância e Juventude, implementados para dar eficácia ao novo conjunto de leis que protegem as duas faixas etárias. Lamentavelmente, quase duas décadas depois da entrada em vigor do código específico e de muitos Estados da Federação tendo aparelhado seus Conselhos Tutelares, e os Juizados da Infância e Juventude estarem apostos, as feridas continuam sendo abertas na alma infantil brasileira. O que, inevitavelmente remete ao questionamento da eficiência da escola, impotente na transmissão dos valores de cidadania, num mundo onde os pré-requisitos, deveriam estar a cargo de outra instituição que se encontra em franco processo de desmonte, a família.

Violência infantil no mundo - Entende-se como violência contra a infância o maltrato físico, o maltrato emocional, a negligência e/ou abandono e o abuso sexual. E é comum associar tal prática à realidade do subdesenvolvimento, da falta de emprego e à fome. Porém, a violência contra a infância ocorre também nos países europeus e na América do Norte, onde tais mazelas não figuram entre os mais graves problemas sociais. O caso do aposentado austríaco Josef Fritzl, que manteve a filha em cárcere privado por 24 anos, violentando e abusando sexualmente dela e com quem teve sete filhos, até ser preso em maio de 2008, atesta que a violência doméstica e infantil é um problema mundial e deve constar da pauta das grandes preocupações humanas. Sobre a violência contra as crianças no Brasil, o livro Homicídios de Crianças e jovens no Brasil, 1980 a 2002 (Pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo), relata que o número de homicídios de crianças e adolescentes de 0 a 19 anos nesse período representa 16% do total em todo o país. Na faixa etária dos 15 aos 19 anos, a proporção de assassinatos supera a de mortes por acidentes de trânsito. Os meninos são as maiores vítimas da violência. Do total de óbitos por homicídio, 84,4% são do sexo masculino. A arma de fogo foi a mais utilizada em 59% dos crimes, seguida de 21,1% por instrumentos e 19,1% de objetos não especificados. Além do homicídio, dados de outras modalidades de violência também constam do livro, como execuções sumárias, linchamentos e violência policial.

Violência infantil doméstica - Segundo um relatório da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), divulgado em 07/12/2006, a violência infantil se exerce sobretudo no lar e na escola. De acordo com o relatório, é no âmbito familiar e nos centros educativos onde mais se exerce a violência contra os menores. O representante Francisco Rojas, expôs na Bolívia, as conclusões do estudo e destacou que “a violência é um fenômeno praticamente invisível” e que “vivemos em uma sociedade que glorifica a violência”.O relatório adverte que a maioria de atos violentos contra menores não são denunciados e, freqüentemente, são tolerados pela sociedade. É considerado maltrato infanto-juvenil doméstico aquele que acontece dentro de casa, tendo como vítimas crianças e adolescentes e é geralmente cometido pelo responsável que deveria cuidá-los. Inclui basicamente quatro tipos de situações: o dano físico, o dano psíquico ou emocional, a negligência e/ou o abandono e o abuso sexual. Cada uma tem formas específicas de manifestação, mas o que é comum a todas elas são os transtornos graves e crônicos no funcionamento familiar, que se transmitem de uma geração para a outra: 20 a 30% das crianças maltratadas convertem-se em adultos violentos. Até a alguns anos atrás, pensava-se que o maltrato infantil era conseqüência de transtornos psicológicos individuais, alcoolismo, toxicomania, ou de carências financeiras ou educativas. As investigações atuais demonstram que, na realidade, é o produto de uma conjunção de fatores relacionados ao modelo familiar e social que valida a violência como procedimento aceitável para a solução de conflitos. Pode adotar distintas formas, algumas mais fáceis de serem detectadas do que outras, mas todas denunciam um latente problema de saúde, que demanda abordagens multidisciplinares e soluções oportunas para cortar o ciclo da dor e resgatar a vítima de seqüelas importantíssimas, que a condicionará ao longo de sua vida.

Maioridade Penal - No capítulo da violência contra a infância um tema dos mais relevantes é a discussão da maioridade penal. Na opinião de autoridades no assunto, o rebaixamento da idade penal dos atuais 18 para 16 anos transforma o adolescente em “bode expiatório”, responsável pelo clima de violência e insegurança social. Para tais autoridades isso cria o que chamam de uma “cortina de fumaça” que desvia a atenção da opinião pública das causas reais da violência, tais como a ausência de direito ao trabalho e ao salário justo; os apelos desenfreados ao consumo; a impunidade e o fracasso dos mecanismos de controle social; a corrupção que atravessa todos os poderes públicos; a desresponsabilização do Estado, da escola e dos meios de comunicação de massa pelas crianças e adolescentes. Os especialistas concordam que o critério de fixação da idade penal é essencialmente cultural e político, revelando o modo como uma sociedade lida com os conflitos e as questões da juventude, privilegiando uma lógica vingativa-repressiva ou uma lógica educacional. E, para completar nessa linha, é consenso que, é uma grande ilusão achar que o sistema carcerário brasileiro poderá transformar adolescentes autores de atos infracionais em cidadãos e que venham a contribuir produtivamente na sociedade. Deste modo, a defesa pelo rebaixamento da idade penal no Brasil é outra forma de violência que se pretende praticar contra a nossa infância, muitas vezes perdida por outras causas.

Violência Infantil e Família - Os especialistas afirmam que o conjunto de valores de uma pessoa está formado até por volta dos cinco anos de idade. Assim, muito dificilmente se remendará satisfatoriamene as roturas no âmbito da psique, provocadas durante a tenra infância. E provavelmente é por esta razão que o sábio recomenda em Provérbios 22.6: “Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele”. Neste ponto entra outro elemento, o planejamento familiar. Definindo melhor a época de se ter os filhos e a quantidade deles, será possível garantir-lhes melhor assistência nas várias áreas onde se é requerido. Porque nesta fase, ele está pronto para aprender com os pais, com a escola, com a igreja, com os meios de comunicação de massa, com a internet ou com os terceiros com quem conviverem, sejam, eles, boas ou más influências. Ercina Macedo, moradora do Setor Sul em Goiânia, hoje casada e mãe de Pedro Castilho, com 3 anos de idade, é favorável ao planejamento familiar. Justifica contando que ela própria fora vítima da violência infantil. Alega que há um “costume”, especialmente no norte do País, em regiões de maior concentração de pobreza, de os pais oferecerem as meninas, a pretexto de “trabalharem em casas de família”, a pessoas de posses e de influência das cidades. Segundo ela, em tais, “casas de família”, muitas vezes estas meninas são forçadas a trabalho pesado não remunerado, análogo a escravo e com muita freqüência, submetidas a maus tratos físicos, emocionais ou abusadas sexualmente. Ercina considera tal prática uma gritante violência contra a criança. “As marcas deste mau trato, não se apagam da alma da gente”, desabafa.

Foi sancionada pelo Presidente da República, a lei que institui a Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância, a ser realizada anualmente entre os dias 12 e 18 de outubro. A Lei no. 11.523, estabelece que, a partir de 2008, as entidades públicas e a sociedade em geral promovam a conscientização sobre as causas da violência e suas possíveis soluções, principalmente na faixa entre 0 (zero) e 6 (seis) anos da criança. O objetivo é permitir a formação de cidadãos mais aptos à convivência social e à cultura da paz. Ninguém discorda de que o combate à violência infantil deve passar pelo Poder Judiciário, Conselhos Tutelares, Polícias, Sociedade, Escola e governos. Mas tal como destacou o funcionário do UNICEF, na apresentação de um relatório sobre o tema, “a violência é um fenômeno praticamente invisível”. Conta um Aquelá- pessoa que monitora os lobinhos, o primeiro nível do Escotismo, que compreende a faixa etária 7-11 anos- que um menininho de classe média alta do grupo que orientava, voltou da escola com o nariz sangrando. O pai perguntou sobre as razões do sangramento e o pequeno respondeu:”Papai, meu colega me deu um golpe no nariz durante um desentendimento”. O pai reagiu: “Na próxima vez que voltar para casa sem revidar mais forte, eu também vou surrá-lo”. Segundo o Aquelá, vinte e poucos anos depois, após uma vida de tribulação fugindo de inimigos, o que outrora fora seu pequeno lobinho, foi barbaramente assassinado por desafetos. Deixou a esposa grávida e dois filhos pequeninos. As primeiras lições de violência são tomadas em casa, muitas vezes de dentro do berço. O combate à violência infantil deve passar, antes de tudo, por uma reavaliação sobre o grau de violência reproduzida pelas instituições encarregadas de instruir os meninos e as meninas. Mais uma vez a verdade do texto sagrado nos constrange: “Ensina o menino no caminho em que deve andar e até quando for velho não se desviará dele”. Porém, ainda mais grave é constatarmos que, nossa infância maltratada, mata e morre antes dos trinta.
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Carmelita Graciana

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