terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A FAMÍLIA E A VIOLÊNCIA EM PRISMA REALISTA ( OJB Set/2006)

O assunto Segurança Pública encabeça a pauta da maioria das campanhas para as eleições deste outubro, por causa da repercussão da última onda de violência que explodiu no sudeste com ramificações em vários outros centros urbanos do País. 

Um dos candidatos a governador afirmou recentemente que o crime organizado, financiado pelo narcotráfico, é a maior “indústria” do Brasil, pelo contingente de envolvidos e pelo nível de organização que atingiu. E, embasado ou não, o certo é que a inoperância do Estado Brasileiro no combate ao tráfico de drogas e à violência promovida por ele é uma constatação, tão óbvia quanto revoltante. 

A sociedade já vive à beira do toque de recolher, como em Serra Leoa, Nigéria ou Costa do Marfim, na África Ocidental, considerados entre os lugares menos seguros do Planeta. Segundo a revista Veja, só no Estado de São Paulo, 11.000 presos tiveram direito a um recesso no último Dia dos Pais e, de acordo com informações veiculadas pela rádio CBN, no dia 13 de agosto, 20 destes presidiários seguiram para casa de avião, com passagens pagas com recursos próprios. 

As facções criminosas, identificadas em São Paulo por PCC (Primeiro Comando da Capital), encontraram terreno fértil para a plantação de sua “ideologia”, ancoradas no tripé de um Estado negligente, instituições religiosas moralmente suscetíveis e a família brasileira em franco processo de desmonte.




A Família na História- Friedrich Engels, em seu livro A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado pela editora Presença 3ª. edição, afirma que, durante a evolução humana o matrimônio passou por três estágios fundamentais, no estado selvagem dava-se o matrimônio por grupos, durante a barbárie, o sindiásmico e finalmente, na civilização ocorre a monogamia com seus complementos: o adultério e a prostituição. Ressalta ainda: “E se a igreja Católica aboliu o divórcio, é provável que seja porque terá reconhecido que contra o adultério, como contra a morte, na há remédio que valha”. Diz ainda que a família, como produto do sistema social, refletirá o estado de cultura desse sistema. Também a Bíblia, no curso de sua narrativa, desmistifica cabalmente qualquer fantasia de que as relações familiares são sempre harmoniosas. Mas o que se vê hoje em dia é que estas mesmas relações ganham proporções insuportáveis de hostilidade e agressão, dentro das famílias consideradas normais, como o caso Richthofen que ganhou notoriedade dentro e fora do País, a ponto de preocupar as mentes sadias da sociedade brasileira, que questionam ininterruptamente: “onde foi que erramos?”

A Família no Brasil – desde que entrou em vigor a Lei 6.515/77, de 26 de dezembro de 1977, que regulamentou o divórcio, vem crescendo assustadoramente o número das separações formais de famílias, atingindo maciçamente a todas as classes sociais. Segundo informações veiculadas pelo site www.clicfamília.org.br, já são 35 milhões de solteiros, divorciados e viúvos, dos quais 20 milhões são mulheres. Os censos populacionais apontam para um crescimento de 37% entre 1991 e 2000 dos domicílios chefiados por mulheres no Brasil. A família monoparental é uma realidade no País, com todos os seus decorrentes. Um destes é o aumento no consumo de entorpecentes. Há relatos de casos de adolescentes brasileiros que se envolveram com as drogas, oriundos de famílias muito ajustadas e de ambientes muito saudáveis, mas apenas como exceções. A regra é que o consumo e vendas dos entorpecentes está intrinsecamente associado ao quadro da miséria e ao fenômeno crescente da desagregação familiar. 

A revista Época, em sua edição no. 429 de 05/08/2006 publicou uma comovente reportagem sobre o assunto mostrando o drama das mães brasileiras que enterram seus filhos jovens, vítimas desta atividade. Relata a dor indescritível de uma mãe que paga as prestações do caixão do sexto filho na periferia de Brasília, ciente de que só o que pode proporcionar a ele é o que chama de “um enterro digno”. Outro fator bastante preocupante na sociedade brasileira, no que diz respeito à mudança de comportamento que atinge a família é a banalização do sexo. Neste particular é inquestionável que os meios de comunicação de massa têm sua dose de culpa. As novelas brasileiras já são assistidas em 65 países pelo mundo, através da Globo Internacional. Porém, os autores são unânimes em afirmar que o sexo é o carro-chefe de suas tramas, pelo fascínio do público. Um “produto” com aceitação garantida em todos os segmentos sociais. Outros fatores são notáveis, como o empobrecimento familiar- grande parte dos casos não regulamenta as obrigações de sustento e em tantos outros ocorre de os proventos fixados ficarem defasados diante da crescente demanda de uma prole em desenvolvimento. Trabalho infantil- convivendo com recursos cada vez menores frente a necessidades materiais inversamente crescentes, muitas crianças são lançadas ao mercado de trabalho precocemente, na execução de tarefas inadequadas ou degradantes, que lhes mutilam física, psicológica e emocionalmente.

O governo federal apresentou um estudo recente com o retrato da prostituição infantil, detectada em pelo menos 937 cidades brasileiras. A gravidez na adolescência- outro fenômeno, cujo crescimento parece estar muito associado à desagregação familiar é a gravidez na adolescência. Segundo os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), desde 1980, o número de adolescentes, entre 15 e 19 anos, grávidas aumentou 15%. Segundo o mesmo Instituto, são cerca de 700 mil meninas se tornando mães a cada ano no Brasil. Desse total, 1,3% são partos realizados em garotas de 10 a 14 anos.

Idosos mantenedores- com o desmantelamento da família, casal e filhos, e o empobrecimento do núcleo familiar, surge outro grupo de parentes, os idosos aposentados como mantenedores, assumindo total ou parcialmente o pagamento das despesas de seus filhos e netos. A isto se somam os conflitos de gerações e de outras naturezas em decorrência, até mesmo e muitas vezes, do compartilhamento do espaço físico. Terceirização na criação dos filhos- com a desarticulação da família na nova realidade brasileira pós 1977, implantam –se as figuras do padrasto, madrasta, irmãos postiços, primos postiços, etc., que se instalam como “estranhos no ninho”, que passa a enfrentar muitos e sérios conflitos. E as gerações em desenvolvimento comprovam, por palavras e por obras, a falácia da terceirização na criação de filhos. E o retrato da família brasileira falida é uma sociedade refém do tráfico de drogas e estressada, num contexto onde voltar para casa é, muitas vezes um pesadelo, conviver em família um desafio e sair às ruas um passo solitário no escuro.

A Família na Igreja- Os Institutos de pesquisa são unânimes em afirmar que os evangélicos foram a religião de maior crescimento na década de 90, no País. Segundo Paulo Romeiro, autor de Evangélicos em Crise, Decadência doutrinária na igreja brasileira, pela editora Mundo Cristão, 4ª. Edição, em 1999 eram 35 milhões de evangélicos. E de acordo com dados do Departamento de Pesquisa do SEPAL, a projeção para 2006, é de 40 milhões, o que equivale a 21,5% da população do País. No entanto, quando o jornalista, Robert D. Kaplan, afirma em seu livro ‘À Beira da Anarquia, pela editora Vida e Consciência: “A Cristandade não tornou o mundo mais pacífico, nem na prática, mais moral”, parece falar sobre o Brasil. Onde há um processo crescente de amancebamento dentro das próprias igrejas, que conta com a conivência de alguns líderes e a conveniência de outros. 

Existe um terceiro grupo, o dos buscadores de soluções, estes promovem cerimônias de “bênção” ao que chamam casamento. Uma espécie de mão de cal nos sepulcros da moral e da ética neotestamentárias, que são enterradas sob os auspícios da fé evangélica brasileira. O padrão moral de nosso tempo é de dar muita inveja ao de Sodoma e Gomorra. Mas assistimos impassíveis, a bordo de nossos controles remotos de TV de plasma e LCD, porque nos tornamos tão exigentes nas formas quanto tolerantes nos conteúdos. Ainda um quarto grupo permanece, tentando a retomada aos padrões bíblicos de comportamento. Este combate o fenômeno “ficar”, em substituição ao namoro e tenta inverter a ordem sexo e casamento, muitas vezes em vão. Pois tal comportamento é efeito e não causa, aparece como resultado de experiências familiares infelizes, vivenciadas pela maioria dos jovens brasileiros, incluindo grande parte dos evangélicos.


Promover uma “caça às bruxas” possivelmente será um gesto de lavar as mãos, tal Pilatos que foi para a História com as mãos lavadas na covardia. Há de se encontrar caminhos mais bíblicos para deter o avanço da violência na sociedade brasileira, na igreja evangélica e na família em destroços. Alguns dos quais terão de fugir da mera transferência de culpa à mídia e aos traficantes. Talvez ao invés de levar nossas mãos para lavar, seja necessário trazê-las à palmatória. Porque a chave para a saída, está sob a luz translúcida de nossos abajures de cabeceira, embaixo da capa preta empoeirada do velho livro. De onde ecoam, como em sussurros à nossa consciência, aquelas palavras: “adúlteros e adúlteras...”. Mas, há sempre junto ao livro também um controle remoto e a tendência é turbinar os decibéis para abafar tão inconvenientes adjetivos que soam a pronomes de tratamento.

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